Assembleia Nacional de Cuba anunciou nesta quinta-feira (19) a aprovação do nome de Miguel Díaz-Canel como novo presidente do país, em substituição a Raúl Castro, com 99,83% dos votos dos deputados.
O processo de escolha do presidente começou na sessão desta quarta, quando os parlamentares indicaram os candidatos de uma lista de 31 nomes para formar o Conselho de Estado, entre eles o presidente, que então foi aprovada por quase unanimidade. O nome de Díaz-Canel já era apontado como o favorito para assumir o cargo, o que aconteceu logo em seguida ao anúncio da aprovação.
O novo presidente disse na Assembleia que o mandato que recebeu do povo “é dar continuidade à Revolução Cubana em um momento histórico e crucial”, marcado pelo “avanço na atualização” do modelo econômico e social do país.
“Para aqueles que por ignorância ou má fé duvidam de nosso compromisso, devemos dizer-lhes que a revolução continua e continuará. O mundo recebeu a mensagem errada de que a revolução termina com seus guerrilheiros”, afirmou ainda, segundo informações do jornal oficial “Granma”.
O novo mandatário é o primeiro civil na presidência desde 1976, mas isso não significa necessariamente uma mudança política no regime. A trajetória de Díaz-Canel se deu dentro do Partido Comunista de Cuba (PCC), sob a tutela de Raúl Castro.
Disse ainda que confia no “sucesso absoluto” do sucessor pelas suas “virtudes” e por sua “experiência e dedicação ao trabalho”, demonstradas desde o início de sua trajetória política.
Com a passagem do comando a Díaz-Canel, o caçula dos irmãos Castro não renunciará a todas as suas funções. Ele continuará atuando como secretário-geral do Partido Comunista de Cuba até 2021, além de seguir como deputado nacional e líder das Forças Armadas.
“Raúl mantém por méritos na linha de frente da vanguarda política”, disse Díaz-Canel, após assumir. “É o melhor discípulo de Fidel. Ele assumiu a liderança da Revolução em meio a uma situação econômica difícil e soube colocar o dever à frente da dor pessoal”.
Perfil
Díaz-Canel nasceu em 1960, um ano depois da revolução, na província central de Villa Clara. Foi líder da união de Jovens Comunistas em sua província e chegou à liderança da juventude nacional do Partido Comunista de Cuba em 1993.
Depois, foi nomeado ministro do Ensino Superior por Raúl Castro em 2009 e ficou no cargo durante três anos. Em março de 2012, foi nomeado vice-presidente do Conselho de Ministros para a Ciência, Educação, Esportes e Cultura, circulando nacional e internacionalmente, muitas vezes na companhia ou em nome de Raúl Castro.
Metódico, Díaz-Canel cresceu na carreira política como um “funcionário exemplar”.
“Ele é um engenheiro que pensa em termos de eficiência, questionando-se qual é o sistema que lhe trará mais resultados”, afirma o cientista político López Levy, contemporâneo de Díaz-Canel, à reportagem da BBC.
Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) lembra que, embora Díaz-Canel seja um homem de confiança de Raúl Castro e tenha uma trajetória dentro do Partido Comunista de Cuba, ele não pertence à geração revolucionária.
“É um homem do sistema, mas há exemplos históricos de ‘homens do sistema’ que se decidiram a mudar o ‘sistema’. Basta citar dois exemplos: Mikhail Gorbatchev e Deng Xiao-Ping. Embora provenientes do ‘sistema’, souberam encarnar propostas reformistas”, diz Aarão Reis.
Questões importantes com as quais o novo presidente terá de lidar:
- Desestatização
Para a historiadora e pesquisadora-visitante da Universidade da Califórnia Joana Salém, os cubanos têm duas expectativas principais em relação ao novo governo: primeiro, a desestatização da economia; segundo, a descentralização da política.
“Quando digo ‘desestatização’ não me refiro ao neoliberalismo ou às privatizações, como acontece no resto da América Latina, mas sim a uma economia que deixará de ser 95% estatal para ser 70% estatal. O Estado cubano seguirá sendo protagonista”, explica Salém.
“Acontece que a abertura de 30% de setor privado faz uma grande diferença na vida da sociedade cubana, que passa a criar pequenas e médias empresas”, completa.
- Descentralização
A descentralização da política é um ponto mais polêmico. A Assembleia Nacional do Poder Popular é formada por deputados com salários próximos da média salarial do povo, 40% são negros e 53% são mulheres, mas, em termos ideológicos, a coisa muda de figura.
“Há um predomínio absoluto de militantes do Partido Comunista (96%). Setores não partidários poderiam ter mais participação. Existem grupos apoiadores da Revolução, identificados com o socialismo, mas que defendem o fortalecimento dos organismos de base, como os Conselhos Populares, e a criação de mais canais de representatividade e de debate público”, continua Salém.
A visão de Díaz-Canel sobre essa importante encruzilhada do regime cubano, no entanto, continua uma incógnita.
Para Antonio Rodiles, ativista anticastrista, Díaz-Canel “é uma pessoa apagada, que repete como um robô o que tem sido dito em Cuba nos últimos 60 anos”.
- Relação com os EUA
A aproximação entre os dois países, movimento que vinha sendo implementado no governo Obama, foi freado quando Donald Trump assumiu a presidência dos EUA. As embaixadas voltaram a se instalar em Havana e Washington, e Obama chegou a visitar Cuba em 2016, reduzindo a tensão de décadas entre a superpotência capitalista e o pequeno enclave socialista situado a poucos quilômetros de sua costa.
O futuro, porém, depende muito mais do governo americano do que de Cuba.
“A abertura empreendida por Obama foi paralisada. Entretanto, Trump não a reverteu. E é do interesse de empresas americanas ganhar e consolidar acesso ao mercado cubano. Tudo isto está sujeito a ventos e a trovoadas”, comenta o professor Aarão Reis.
“Mas uma coisa é certa: um eventual endurecimento dos EUA só fará o jogo dos conservadores cubanos que desejam manter como está uma ditadura política que já foi revolucionária e que, há muito, se tornou basicamente conservadora”, completa.
Por: G1