Que a cúpula entre os presidentes das duas Coreias foi um evento histórico não cabe dúvida. O fato de um governante norte-coreano ter, pela primeira vez, pisado o solo do vizinho tem por si só grande valor. Mas daí a imaginar que o encontro terá de fato a conseqüência desejada â?”desnuclearizar a península coreanaâ?” vai uma boa distância.
O comunicado final, no item relativo a esse ponto, é um primor de linguagem diplomática, aquela que diz muito mas não especifica nada.
Primeiro, porque os dois lados “confirmam a meta comum de tornar ?nuclear-free? a península coreana”. Ou seja, a meta era pré-existente e nunca foi alcançada.
Segundo, porque se comprometem a “levar adiante seus respectivos papeis e responsabilidades a esse respeito” (a “completa desnuclearização”). Ou seja, não ainda trabalhar para definir o que é a desnuclearização.
Por fim, remetem a concretização da meta “ao apoio e cooperação da comunidade internacional”.
Faz sentido: como escreveu antes mesmo da cúpula Scott Snyder, pesquisador de Estudos Coreanos do Council on Foreign Relations, “a Coreia do Norte tradicionalmente reservou o tema da desnuclearização para ser fechado com os Estados Unidos. O que significa que a Coreia do Sul pode apoiar um diálogo sobre desnuclearização com a Coreia do Norte, mas nunca pode liderar tal diálogo”.
Logo, o ponto central do encontro fica transferido para o encontro que. Kim Jong-un terá em breve com Donald Trump.
Nele é que se verá se o ditador norte-coreano aceita de fato jogar fora as suas armas nucleares, até aqui vistas como a única maneira de evitar que seu regime seja decapitado, como aconteceu, por exemplo, com Gaddafi na Líbia e Saddam Hussein no Iraque. Ou se Trump concorda em que a Coreia do Norte apenas congele o programa nuclear no ponto em que está, sem novos avanços, e ainda assim proclame vitória, bem ao seu estilo triunfalista e fátuo.
De concreto, portanto, na cúpula desta sexta-feira, há um ponto importante: jamais se montou, desde a guerra, um programa de cooperação entre as duas Coreias como o anunciado agora. O que tem um porém importante: fica claro que a divisão das Coreias é uma realidade que não será desfeita em curto ou médio prazo, com ou sem armas nucleares na península.
Não deixa de ser uma vitória para Kim se se considerar que o Sul sempre trabalhou com a hipótese de uma reunificação mais cedo do que tarde.
Por: Folha