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Maioria dos casos de estupro em 2017 é contra crianças e adolescentes

O número de crianças e adolescentes vítimas de estupro é quase o dobro do registrado entre jovens e adultos no Distrito Federal. Dados levantados pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) mostram que, em 2017, foram registrados 1.301 casos do crime entre menores de 18 anos, contra 733 nas demais faixas etárias. De acordo com o estudo, a que o Correio teve acesso com exclusividade, familiares e pessoas do ciclo de convivência das vítimas são os principais autores da violência sexual.

O número é apenas 2% menor do que o de 2016, quando houve 1.321 estupros de crianças e de adolescentes. Na análise feita pelo Corregedoria-Geral do MPDFT, Ceilândia lidera o ranking, com 510 casos, seguida por Samambaia, com 292 denúncias, e Sobradinho, com 237.

A coordenadora dos Núcleo de Direitos Humanos do MP, a promotora de Justiça Liz-Elainne Mendes, explica que o número elevado de casos é causado, sobretudo, por falhas em políticas públicas e de equipamento essenciais, como creches. “Além do fato de serem cidades muito populosas, há dificuldades socioeconômicas, como mulheres que precisam acumular funções de provedora e criadora, que, somadas às falhas nas políticas públicas provocam uma falha protetiva em relação à criança, que fica exposta a situações vulneráveis”, afirma.

Agressores aproveitam proximidade 

Ela explica que, a partir de uma falha do núcleo familiar na tarefa protetiva, os agressores aproveitam da proximidade para cometer o crime. “Nos primeiros anos de vida, ela convive quase que totalmente no ambiente familiar e escolar. Por causa dessas falhas na tarefa de proteção, que podem ser motivadas por inúmeros motivos, a situação de vulnerabilidade da criança favorece a violência”, diz. Ela acrescentou, ainda, que o abuso envolve uma relação de confiança entre agressor e vítima, o que faz muitos casos só serem revelados anos depois, e a família nem sempre percebe os sinais.

A vítima pode mostrar alguns sinais, em conjunto ou isoladamente, da violência sofrida, como curiosidade sexual excessiva, exposição frequente dos genitais, brinquedos ou jogos sexualizados, agressividade imotivada, distúrbios alimentares ou de sono, baixo rendimento escolar, conhecimento sexual precoce, depressão, isolamento, falta de interação e rejeição de determinadas pessoas. A promotora esclarece, no entanto, que esses não são comportamentos exclusivos de quem sofre esse tipo de violência. Por isso, cabe à família suspeitar e denunciar.

Apesar do alto índice de denúncias, Liz-Elainne acredita que muitas pessoas deixam de relatar os acontecimentos por medo de se envolverem e se comprometerem com a investigação. Mas, diante de qualquer elemento que gere suspeita, ela alerta que não se deve hesitar. A partir da denúncia, os órgãos competentes tomarão medidas protetivas, com o intuito de proteger a integridade da criança ou do adolescente, como o afastamento da vítima do agressor e a participação em programas de violência, para que seja feito um acompanhamento adequado. “Quando uma pessoa denuncia isso estimula outras a fazerem o mesmo. No momento que ela se coloca em alerta, tem um efeito muito positivo”, ressalta Liz-Elainne.

Dia combate à exploração sexual de crianças e adolescentes

Nesta sexta-feira (18/5), é comemorado o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data escolhida faz menção ao “Caso Araceli”. Nesse mesmo dia, em 1973, uma menina de oito anos foi sequestrada e cruelmente violentada e morta em Vitória (ES), por um grupo de jovens de classe média alta da região.

O crime de abuso ocorre quando crianças e adolescentes são aliciados por adultos que pretendem se satisfazer sexualmente, sem a existência de comércio sexual. A exploração é a prática libidinosa com objetivo de lucro financeiro. No mundo jurídico, essa ação é conhecida como rufianismo.

Reconhecendo sinais

A psicóloga Camila de Aquino explica que as consequências de abuso na infância se refletem até a vida adulta. Após a violência, as mudanças que podem ocorrer são cognitivas, comportamentais e emocionais. A criança pode apresentar desconfiança, alteração na relação com os pais, isolamento, agressividade física ou verbal, irritabilidade, radicalismo, entre outras reações.

E os desdobramentos da violência podem se perpetuar pelo resto da vida da vítima. “A longo prazo, percebemos que pessoas que tiveram histórico de abuso sexual relatam mais problemas com álcool, tabagismo, depressão e acabam por experienciar problemas familiares, conjugais e profissionais com mais frequência. As mulheres vítimas de abuso sexual desenvolvem estresse pós-traumático, ficam com mais sensibilidade a críticas, têm dificuldade de ouvir outros pontos de vista e se mostram insatisfeitas na relação conjugal”, explica a psicóloga.

Camila frisa a importância de ações para prevenir casos de violência sexual na infância. Uma delas é a educação, muitas vezes dificultada pelo fato de o tema ser considerado tabu. “É importante o esclarecimento do assunto para que a criança saiba identificar uma situação de vulnerabilidade, além de, sempre que possível, ter um adulto acompanhando os menores para evitar oportunidades para o agressor”, completa. Profissionais da área de educação e saúde também têm competência para observar as reações.

Como buscar ajuda 

Maria Lúcia Leal, 59, é diretora do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam) da Universidade de Brasília (UnB). A instituição proporciona atendimento interdisciplinar, que une as ações dos órgãos públicos competentes, o que evita que as crianças sejam revitimizadas. “Nem todos os casos chegam ao centro, é um sistema que precisa ser fortalecido e expandido por promover a inclusão social das crianças e o atendimento às famílias.” Maria explica que uma das parcerias mais importantes é com as creches.

O Governo do Distrito Federal também oferece acolhimento às vítimas de violência sexual. A Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança) atua em conjunto com escolas, saúde pública, conselhos tutelares e o Centro Integrado 18 de maio – o único especializado nesse tipo de atendimento no Centro-Oeste. Juntos, eles realizam campanhas para orientar pais e crianças.

Disque 100: canal de denúncias

Marlon Barreto, 50, professor de direito, afirma que a punição a crimes de violação dos direitos humanos, tais como estupro e exploração sexual, está prevista no Código Penal e no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e que, normalmente, são inafiançáveis. Ele aconselha às vítimas ou pessoas que tenham tido conhecimento da ocorrência deste tipo de crime que busquem o Disque 100.

O Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, ao lado do Ministério dos Direitos Humanos, cuidam do centro de acolhimento de denúncias. Por meio de ligação gratuita, o denunciante pode encaminhar informações a qualquer dia e horário e de forma sigilosa. As forças de segurança responsáveis serão acionadas em até 24 horas.

A diretora de uma instituição de ensino infantil, que não quis se identificar, relatou que na maior parte dos casos que já acompanhou, a principal característica que as crianças violentadas apresentam é agressividade. “O que mais me preocupa é que, na maioria dos casos que já denunciei, o agressor era alguém do convívio. Com certeza, essas vítimas terão dificuldades para relacionamentos futuros, principalmente o conjugal”, afirma.

Ela conta que já observou marcas de violência no corpo de algumas crianças que, por ficarem em período integral na entidade, precisam tomar banho com o auxílio das monitoras. “A maioria dos abusos acontecem à noite, e eu sempre oriento as mães para tomarem cuidado com as pessoas que entram em suas casas, muitas vezes pode ser um crime anunciado, pois o agressor sempre parece ser uma boa pessoa e, assim, ocorrem as tragédias”, conclui.

Por: Correio Braziliense