Nenhum outro protocolo de perda de peso tem feito tanto sucesso quanto o jejum intermitente. No ano passado, foi o segundo termo mais buscado no Google brasileiro, na categoria “como fazer”. Tendo como base a utilização das reservas de gordura do organismo para a produção de energia, esse regime propõe alternar períodos de ingestão de alimentos com abstinência, variando o número de horas que se fica sem comer. Além do emagrecimento, estudos mostram que os pacientes apresentam melhora nas taxas de colesterol e em marcadores inflamatórios, entre outros.
Mas, apesar de ser uma prática milenar — principalmente com fins religiosos —, as pesquisas sobre o jejum como ferramenta de perda de peso são relativamente recentes, e os efeitos no organismo em longo prazo largamente desconhecidos. Um estudo brasileiro apresentado ontem no congresso da Sociedade Europeia de Endocrinologia, em Barcelona, alerta que a prática pode elevar o risco de desenvolvimento de diabetes. O trabalho, conduzido por Ana Claudia Munhoz Bonassa e Angelo Rafael Carpinelli, do Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade de São Paulo (USP), foi feito com modelo animal.
No estudo, os pesquisadores investigaram os efeitos do jejum intermitente em ratos saudáveis e não obesos, alimentados dia sim, dia não. Três meses depois, embora tenham perdido peso e reduzido voluntariamente a ingestão alimentar, os animais apresentaram sinais de danos no pâncreas e no funcionamento da insulina, hormônio secretado por esse órgão, e diretamente associado a diabetes 1 e 2. Quando o organismo não produz ou fabrica uma quantidade insuficiente da substância, a pessoa é diagnosticada com a doença crônica.
Radicais livres
Ana Claudia Munhoz Bonassa conta que começou a desconfiar do efeito negativo do jejum sobre a regulação da insulina quando fazia mestrado e estudou a produção de radicais livres no pâncreas de ratas submetidas ao jejum agudo único (48 horas sem alimento, apenas uma vez). “Os radicais livres são moléculas instáveis que podem se ligar a outras moléculas, prejudicando o funcionamento delas. Observamos um aumento desses radicais livres após o jejum agudo”, relata a pesquisadora. “Nessa época, o jejum intermitente estava sendo amplamente divulgado. Então, nos questionamos se isso ocorreria também após o jejum intermitente de forma crônica. Os outros efeitos negativos encontrados foram, de fato, uma surpresa para nossa equipe”, revela.
No estudo atual, o peso dos animais diminuiu, mas houve aumento de gordura no abdômen. Além disso, quando os pesquisadores fizeram a necrópsia dos ratos, no fim da pesquisa, observaram que as células beta do pâncreas, responsáveis por liberar insulina para o organismo, estavam danificadas, com aumento nos níveis de radicais livres. O exame também detectou marcadores de resistência à insulina, condição que pode levar ao desenvolvimento do diabetes. O motivo de o jejum intermitente provocar essas alterações está sendo investigado agora pela equipe.
A bióloga reconhece que o tema é polêmico, com muitos especialistas e praticantes favoráveis ao jejum. Porém, ela acredita que os efeitos positivos, como normalização das taxas metabólicas, estão relacionados à perda de peso em si, um resultado que pode ser obtido por outros meios, alega. “Sabemos que perder peso quando se está obeso ou com sobrepeso melhora a saúde, principalmente a resposta da insulina e a tolerância à glicose. Foi por esse motivo que escolhemos trabalhar com animais jovens, saudáveis e magros, em vez de testar a dieta em um modelo animal diabético ou obeso. Queríamos avaliar possíveis efeitos só do jejum intermitente”, diz. De acordo com a pesquisadora, até agora, os trabalhos científicos sobre esse protocolo de emagrecimento apresentam dados conflitantes, mas com um consenso: “O de que o jejum intermitente leva à perda de peso porque a dieta fica hipocalórica, ou seja, o indivíduo come menos”, diz.
Energia
Para a servidora Nanci Moreno Paro, 39 anos, o jejum intermitente ganha de outras dietas. Embora esteja longe de apresentar sobrepeso, ela voltou recentemente a esse regime que adotou sem interrupções por 18 meses. Praticante de muay thay, Nanci sente-se com mais energia e força quando fica longos períodos sem comer — geralmente, das 21h às 14h. “O jejum me cativou: meu rendimento, meu raciocínio e minha disposição melhoraram mil vezes. As taxas de colesterol e triglicérides também baixaram”, conta.
A autônoma Camila Brandão Borralho de Lucena, 34 anos, também é fã dessa dieta. No fim de 2016, ela perdeu sete quilos com jejum e aeróbica. Como reganhou seis quilos, acabou de voltar à prática e já eliminou dois. “Faço crossfit e, com o jejum de 16 horas, me sinto até mais forte”, relata. Camila também cortou o carboidrato das refeições, mas não acha que a redução da ingestão de alimentos seja responsável pelo emagrecimento. “Eu estava muito resistente à perda de peso. Estacionei e, só com o jejum, voltei a emagrecer”, garante. Para a Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), é preciso ter cautela com dietas restritivas. “O consenso da Sbem para perda de peso é mudar para uma alimentação equilibrada, a famosa reeducação alimentar. O que define a perda de peso em uma dieta é a quantidade de calorias ingeridas”, afirma. Contudo, ela admite que, para pessoas com obesidade ou sobrepeso, isso pode ser muito difícil, principalmente porque, no geral, são indivíduos com problemas na regulação do apetite.
A médica explica que esse protocolo pode ser válido para algumas pessoas, mas não para a população como um todo. “Quando se faz jejum, há queima de carboidrato e modulação dos ácidos graxos, com perda de peso e diminuição da fome. Isso pode ajudar, mas algumas pessoas não vão se encaixar e, no caso das com obesidade, não sabemos quanto tempo precisariam fazer jejum para regular a saciedade no sistema nervoso central”, diz. Uma preocupação de Maria Edna de Melo é que, assim como o estudo da USP demonstrou, essa restrição em longo prazo possa alterar negativamente o organismo.
Por: Paloma Oliveto