Sustainable”, documentário lançado em 2016 e atualmente disponível no Netflix, no site e em DVDs, é bonito, ajuda a expandir pensamentos e, de quebra, desconstrói algumas verdades espalhadas pela indústria alimentícia. Muito do que é dito no filme, no fundo todos nós já sabemos. Mas é sempre bom ouvir, ver e refletir sobre nosso papel numa mudança necessária de hábitos e consumo para tentar uma vida com mais saúde, mesmo que isto represente abrir mão de rotinas mais confortáveis no dia a dia.
É falsa, por exemplo, a afirmação de que os alimentos orgânicos são mais caros e, como não podem ser plantados em escala, não serão nunca suficientes para alimentar os mais de sete bilhões de pessoas que vivem no mundo. O que há por trás desta alegação é simples: o cultivo industrial não revela o preço dos danos ambientais provocados pela sua produção. A isso as empresas dão o nome de “externalidades”, um conceito usado para deixar de lado as mazelas na hora de contabilizar os “ganhos” (assim mesmo, entre aspas), sobretudo na hora de publicar extensos e bonitos relatórios de sustentabilidade. E as externalidades, na maioria das vezes, custam bem caro não só à terra como à saúde dos humanos.
“Se os custos externos fossem contabilizados no cálculo de custo do cultivo industrial, o argumento de que os alimentos sustentáveis custam mais caro iria para o espaço”, comenta Mark Bittman, colunista do “The New York Times”, um dos entrevistados para o documentário.
“Sustainable” mostra também, com a ajuda de Mark Smallwood, do Rodale Institute, que há um jeito natural e orgânico de sequestrar o carbono sem precisar usar altas e caras tecnologias. Basta que não se use tanto herbicida quanto se usa hoje, e cada vez mais:
“Plantas verdes removem dióxido de carbono do ar e o carregam para suas folhas, estômatos, transformando-o num líquido. Ele então é excretado no solo como carboidratos simples. São consumidos pelos microorganismos que vivem naquele solo saudável. E, se não os destruirmos com produtos químicos, aquele carbono se tornará parte da estrutura molecular dos organismos, que fixam o carbono em seus corpos por gerações. Isso é chamado de sequestro de carbono”, explica Smallwood.
Pois é. Simples assim. E mais: “Sustainable” faz uma breve e muito relevante volta ao passado que nos ajuda a nos situar no presente. Afinal de contas, por que mesmo passamos a desprezar a vendinha da esquina para abraçar com paixão os hipermercados e seus produtos coloridos, com promessas de longa duração e, sabe-se agora, cheios de uma química nociva ao organismo humano e que é tudo, menos alimento? Sim, foi logo ali, depois da II Guerra, quando a indústria nos apresentou o forno de microondas, o freezer, e a possibilidade de se passar menos tempo cozinhando para ter mais lazer.
Não foi bem este o resultado final. Na maioria das vezes, se não tomarmos cuidado, este “lazer” também é falso: saímos da cozinha para entrarmos na internet, para ler sofregamente as mensagens eletrônicas, muitas delas do trabalho, que certamente nos deixam mais estressados do que passar um tempo no fogão para fazer um bom refogado.
John Ikerd, professor de agricultura da Universidade de Missouri, explica e justifica o fato de termos ouvido o “canto da sereia” sem questionar muito:
“A indústria de alimentos, em seus primeiros dias, quando eu entrei nesse meio, realmente fazia muito sentido. Era um tipo de mensagem muito sedutora, que parecia ser muito lógica. Vamos melhorar a eficiência da produção agrícola e aumentar a segurança alimentícia. Era para o bem comum. Pessoas como eu acreditaram porque fazia sentido economicamente. O problema é que simplesmente não funcionou. Quando fizemos o especial da CBS “Fome na América”, a estimativa era que, naquele momento, 5% das pessoas viviam em casas sem garantia de comida. Hoje, mais de 15% das pessoas deste país são classificadas como em risco de fome. E mais do que 20% das crianças vivem em lares com esse mesmo risco. E a outra coisa que não conseguimos prever é que a comida que produzimos fora do sistema industrial não é uma comida saudável e completa, está adoecendo as pessoas”, diz Ikerd, um ambientalista que defende a causa dos pequenos fazendeiros.
Como consequência, se antigamente escolhíamos o produto pelo fazendeiro que o plantava, hoje se acredita mais nos rótulos, alerta o documentário.
A produção agrícola, com sua escolha por violentos herbicidas; pela monocultura que arrasa os solos (30% dos solos do mundo estão degradados); pela irrigação sem manejo adequado, é uma grande responsável pelo aquecimento global e suas trágicas consequências. E a nota fiscal já está chegando para muitos. Quer com os estragos causados ao meio ambiente e às pessoas, quer com prejuízos financeiros que precisam ser pagos, muitas vezes, por quem não se acha culpado de toda a história.
“Imagine que você é um fazendeiro no Illinois e recebe uma conta do governo no valor de 234 mil dólares, que é a sua parte para limpar a zona morta do Golfo do México”, lamenta outro personagem entrevistado para o documentário.
No melhor estilo “belas-paisagens-para-convencer-até-os-mais-resistentes”, o documentário de Matty Wechsler e Annie Speicher parte da história de um pequeno fazendeiro, Marty Travis, e sua família, moradores de Illinois, onde mantêm a Fazenda Spence, que fornece produtos orgânicos para cerca de 200 restaurantes locais. É essa relação, entre fazendeiro local e seus clientes, que se chama sustentável. E sustentabilidade, para os cineastas, tem a ver com desenvolvimento local e com ética, inclusive, na forma como escolhemos os alimentos que vão nos manter vivos. A mensagem é: “A necessidade de se associar agricultura com lucros cada vez maiores é que nos deixou na crise que vivemos hoje”.
“A agricultura é a segunda maior culpada pelas mudanças climáticas. A maneira com que produzimos comida e como comemos afeta quase tudo. Cada aspecto disso possui graves problemas. Parece que temos um sistema de produção mas, na verdade, usamos a agricultura como um sistema para vender mais e para ganhar dinheiro para várias corporações”, diz Marty, o fazendeiro que conseguiu também reunir outros pequenos numa associação e, assim, modificar localmente uma realidade tão complexa.
Apesar de pintar um cenário com cores bem fortes (e verdadeiras), o documentário também traz uma mensagem muito confortadora para quem se preocupa com os rumos do mundo. É possível mudar, basta se esforçar para isso. Assim, é daqueles filmes que a gente assiste e depois tem vontade de correr para avisar aos amigos e compartilhar com eles. É o que estou fazendo. Bom filme para vocês!
Por: Amelia Gonzalez, G1