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Cientistas brasileiros testam compostos que podem combater a febre amarela

Um desafio de saúde pública no país, a febre amarela mobiliza cientistas. Não há um tratamento específico para a doença, o que poderia reduzir a quantidade de mortes — nos últimos 10 meses, foram registrados 1.257 casos e 394 óbitos, segundo boletim do Ministério da Saúde. Em busca de resolver esse pr blema, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) usam uma técnica de análise computadorizada para identificar moléculas promissoras no combate ao vírus e encurtar a chegada de novos medicamentos aos pacientes.

A estratégia é chamada reposicionamento de fármacos, baseada na tecnologia High Content Screening (HCS). Consiste em uma triagem apurada de moléculas, analisadas por meio de uma varredura computacional. “Meu grupo de pesquisa trabalha com a busca de fármacos desde 2005. Estive na Coreia do Sul por oito anos e consegui trazer essa tecnologia de lá”, conta ao Correio Lucio Freitas-Junior, pesquisador colaborador da USP e líder do estudo.

Com a técnica, Freitas-Junior e a equipe analisaram 1.280 compostos, testados no combate ao vírus da febre amarela. “Essa tecnologia imita o que acontece no corpo humano. Por meio de pequenas placas de ensaio individualizadas, que são espécies de potinhos, eles são testados em células do fígado humano, um órgão importante na infecção da febre amarela, e seu efeito sobre o vírus”, detalha o líder do estudo.

Das mais de mil moléculas testadas, 88 (6,9%) conseguiram, nas células, reduzir a infecção pelo vírus da febre amarela em 50% ou mais. Os cientistas destacam que o estudo traz resultados inéditos, ao localizar compostos que antes não haviam sido descritos com efeito contra a febre amarela, o que oferece uma oportunidade para o desenvolvimento de fármacos específicos. “Tentamos, nessa pesquisa, encontrar um caminho mais curto para a criação de medicamentos para a febre amarela. Queremos uma alternativa além da vacina”, ressalta Freitas-Junior.

Os processos de desenvolvimento de fármacos seguem fases de teste em laboratório em modelos experimentais, além de testes de segurança e testes clínicos, em humanos. Todo esse processo demora cerca de 10 anos. “Já, a partir da estratégia de reposicionamento de fármacos, esse tempo pode cair cerca de três anos”, ressalta Freitas-Junior. Entre as amostras mais promissoras, duas também apresentaram eficácia contra a dengue.

Sem opções

Para José David, infectologista do Laboratório Exame de Brasília, acelerar a chegada de novos medicamentos pode amenizar um desafio frequente nos hospitais. “É muito desencorajador quando temos uma pessoa muito doente e não temos opções. Não há ainda um antiviral para o tratamento de uma doença dessa magnitude”, frisa. Segundo o médico, as pesquisas nessa área são muito precoces e, até agora, não renderam opções de alta eficácia. “Há testes acontecendo com drogas antiparkinsonianas e medicamentos para hepatite C, que se mostraram promissores, pois são vírus que compartilham algumas proteínas com o vírus da febre amarela. Mas ainda não temos um medicamento voltado totalmente para esse problema de saúde.”

Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), chama a atenção para a possibilidade de investir em uma intervenção que impacte na letalidade da doença infecciosa. “O estudo conduzido por Freitas-Junior permitiu encontrar compostos com atividade antiviral para febre amarela, e esse sucesso implica na possibilidade de termos, pela primeira vez, a capacidade de interferir no processo infeccioso e salvar vidas”, ressalta, em comunicado.

A equipe trabalha, agora, refinando os testes com as 88 moléculas promissoras. “Estamos isolando vírus de paciente no Brasil e queremos trabalhar com a manipulação dessas moléculas, uma otimização, para saber se esse potencial pode ser ampliado”, detalha Freitas-Junior. Segundo ele, o aumento no número de interessados no projeto pode ajudar a impulsionar os resultados. “O Brasil é um destaque em produção de vacinas, mas, em relação a medicamentos, o foco está mais voltado para o mercado de genéricos. Nós trabalhamos em busca de medicamentos para outros vírus e queremos contar com o auxílio de empresas e de grupos de fora, que já se mostraram interessados nesse tipo de pesquisa.”

“Esse sucesso implica na possibilidade de termos, pela primeira vez, a capacidade de interferir no processo infeccioso e salvar vidas”
Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP)

Por: Vilhena Soares