Após mais de uma semana de estoque contingenciado por conta da manifestação dos caminhoneiros, o cenário ainda é de insegurança nos aeroportos. Nove terminais amanhecem hoje sem combustível: São José dos Campos (SP), Uberlândia (MG), Ilhéus (BA), Campina Grande (PB), Juazeiro do Norte (CE), Maceió, Aracaju, Joinville (SC) e João Pessoa. O Aeroporto Internacional de Brasília teve as reservas de querosene esgotadas e a reposição ocorreu apenas no início da noite, quando 10 caminhões com 550 mil litros de querosene de aviação (QAV) chegaram ao local para abastecer a frota. A carga elevou os níveis dos reservatórios para 18%. Durante o fim de semana, 62 voos foram cancelados com 22 atrasos registrados.
O comboio foi escoltado por forças federais pela BR-040, desde a região de Cristalina (GO) até o terminal. Com o reabastecimento, as reservas entraram em estado de atenção. Segundo a Inframerica, que administra o aeroporto de Brasília, o combustível vem de Paulínia (SP) e de Betim (MG). Com exceção dos aeroportos de Guarulhos (SP) e Galeão (RJ) que são abastecidos por dutos subterrâneos, os demais recebem o querosene por meio de caminhões.
No DF, para que a operação seja normalizada, são necessários ao menos 20 caminhões para chegar a um volume de operação regular, com suprimento contínuo. A Inframerica reitera ainda que somente pousarão no Aeroporto de Brasília as aeronaves com capacidade para decolar sem a necessidade de abastecimento no JK.
Apesar da redução dos cancelamentos dos voos, a situação de alguns passageiros continua delicada. O administrador Jailson Costa, 43 anos, morador do Recife, seguia para Teresina, mas teve que parar no aeroporto de Brasília por falta de combustível. Ele foi alocado em um hotel ainda na sexta-feira. “Ficamos meio perdidos no hotel, porque não davam informação alguma. Ficamos à mercê. Tem cerca de mais de 50 pessoas aguardando remarcação de voo. Enfim consegui, mas terá conexão em São Paulo. Não tem direto”, observou.
Reitora da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), Elizabeth Fernandes, 48 anos, teve a agenda cancelada. Ela saiu de Florianópolis para Imperatriz (MA) e também teve que parar em Brasília na sexta-feira. Ela conta que passou seis horas na fila para conseguir hospedagem pela companhia. Ontem, conseguiu embarcar, mas também passará por São Paulo antes de seguir ao destino final. Ela reclamou do sistema de remarcação. “Não teve informação. Passei 45 minutos no telefone e liguei cinco vezes antes de vir para cá para tentar confirmar se ia ter mesmo o voo. Vim direto porque não consegui contato.”
Em nota, as empresas aéreas informaram que os passageiros poderão alterar os voos sem a cobrança de taxa de remarcação e das diferenças tarifárias da passagem para nova data, sem multas, de acordo com a disponibilidade. Sobre os impactos da greve dos caminhoneiros nas refinarias, em nota, a Petrobras informou que todas as unidades estão em operação. Onde há bloqueio nas vias de acesso, a empresa está buscando apoio das autoridades para que sejam tomadas medidas que garantam a circulação, priorizando os serviços essenciais. O apoio recebido das forças de segurança tem se configurado essencial para o esforço necessário neste momento.
Locaute difícil de provar
O transporte rodoviário de cargas no Brasil é tão pulverizado que a tentativa do governo de ligar a greve dos caminhoneiros a um locaute por parte de empresas tem pouca chance de ser eficaz, segundo consultores e advogados. De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o país tem 111,7 mil empresas no ramo, que são donas de 1,1 milhão de caminhões, reboques e utilitários leves. Isso significa que, em média, cada companhia tem 9,7 veículos.
O locaute se configura quando um grupo de empresas “trava” a economia como um todo para obter vantagens para seu setor de atividade. Caso o governo utilizasse a tese em um setor concentrado, a chance de êxito seria maior. No entanto, segundo fontes do setor, essa realidade não se aplica ao transporte rodoviário de cargas.
As 10 maiores frotas de veículos do país somam hoje cerca de 30 mil veículos. Ou seja: caso todo esse contingente sofresse punição, 97% dos caminhões detidos por empresas poderiam continuar a obstruir estradas. A líder isolada em transporte rodoviário é a JSL, que tem ações em Bolsa e hoje contabiliza 9,6 mil veículos (ou seja, sua fatia dos veículos corporativos é inferior a 1%).
“Considero a hipótese de locaute muito difícil de provar”, diz o advogado Clóvis Torres, sócio do escritório Souza, Mello & Torres. “Existem, sim, empresas grandes no setor, mas elas são poucas. É um movimento em que fica muito difícil de achar um culpado que possa responder pelo problema como um todo”, resume.
DEU NO…
Financial Times
O periódico inglês publica, na edição desta segunda-feira, que a greve dos caminhoneiros completou sete dias ontem. A reportagem afirma que, mesmo com os movimentos do presidente Michel Temer, a crise não foi resolvida.
CNN
Durante mais de dois minutos, a rede de televisão norte-americana destacou o risco do desabastecimento de alimentos e de materiais hospitalares no país. Um dos exemplos foi a falta de pão em lanchonetes no Brasil.
The Washington Post
O jornal da capital dos Estados Unidos abordou os bloqueios das estradas e da presença das Forças Armadas nos estados. Detalhou o grande número de filas nos postos de gasolina e o cancelamento dos voos domésticos.
El País
Artigo publicado no periódico espanhol destaca as crises vividas no país durante os últimos anos. Com cenário ampliado, tratou não apenas sobre a greve ocorrida na última semana, mas também do combate à corrupção.
Le Point
A revista francesa lembrou a fragilidade do governo, que anunciou com otimismo na última quinta-feira que os caminhoneiros haviam se comprometido a suspender a greve, o que não se concretizou.
Der Spiegel
A versão on-line do periódico alemão afirmou que as prateleiras dos mercados no Brasil estavam vazias e que a indústria automobilística teve que parar por causa da greve.
Por: Ingrid Soares – Especial para o Correio