Dunga era o treinador da seleção brasileira naquele amistoso realizado em março de 2015, disputado no estádio Emirates Stadium, de propriedade do Arsenal, na Inglaterra. A equipe sofria e não convencia. Mas foi redimida por um desconhecido que marcou o gol da vitória. O alívio logo deu lugar à dúvida: quem era Roberto Firmino? Um questionamento que continuou a ser propagado entre torcedores menos ligados no futebol europeu, principalmente depois que o atleta foi anunciado como integrante da seleção que disputará a Copa do Mundo na Rússia. Um total estranho para a população se comparado à estrela Neymar. Quem é Roberto Firmino?
Este é o tipo de preconceito que o alagoano se habituou a sofrer. Ele só foi convocado por Tite porque é uma realidade na Europa. Estrela do Liverpool que chegou à final da Liga dos Campeões, há temporadas mostra bom futebol. O anonimato no Brasil tem lá seus motivos. Firmino foi revelado pelo CRB e fez boas temporadas no Figueirense. Clubes com pouca mídia, mas grandes suficiente para chamar a atenção do alemão Hoffenheim. Afinal, Firmino tinha predicados essenciais para o futebol europeu, como disciplina tática, mobilidade e inteligência. Combinação que transpira modernidade.
A mescla do faro de gol com a aptidão por servir colegas é o ideal de um jogador contemporâneo. Firmino faz de tudo um pouco com a qualidade de quem tem talento. E o que é mais curioso: ele não foi descoberto pelos alemães por vias tradicionais. Lutz Pfannestiel, olheiro do Hoffenheim, soube da sua existência no Football Manager, jogo eletrônico que simula a rotina de técnicos. Firmino aparecia com habilidades avantajadas no game. O olheiro ficou curioso com o que viu, assistiu a vídeos e recomendou a sua contratação ao departamento de futebol. O clube gastou 4 milhões de euros na compra de seus direitos federativos em 2011. Quatro anos depois, revendeu esses direitos por 42 milhões de euros. Um lucro invejável originado de uma observação um tanto peculiar.
Um jogo solidário
Se você espera que Roberto Firmino seja um camisa 9 à moda antiga, dono da área, fixo à procura de gols, prepare-se para se decepcionar. De fixo ele não tem nada. A mobilidade para sair da área e buscar a bola de seus companheiros é uma das qualidades mais apreciadas por Jürgen Klopp, técnico do Liverpool, e Tite. Um perfil que encaixou com a necessidade do time inglês, um atacante com qualidade para participar da armação e talento para chegar à pequena área. Firmino tem sido cada vez mais letal: sua média de finalizações corretas por jogo disparou de 38% em 2015 para 50% em 2018. Uma objetividade útil à forma de jogar do Liverpool, rápido e móvel, benéfico para jogadores fisicamente mais leves e de toque fácil. Firmino entendeu a ideia. O mapa de calor do Wyscout mostra como ele frequenta a parte do campo logo em frente à grande área. Lá, ajuda a trocar passes em alta velocidade e também a pressionar os adversários.
A solidariedade do jogador é um prato cheio para seus pares no time inglês. A campanha do vice-campeão europeu se deve muito ao que fez o trio composto por Salah, Mané e Firmino. Juntos eles têm 30 gols na temporada – é o trio mais artilheiro na história da Liga dos Campeões. Cada um com dez. Como não tem um posicionamento fixo, Firmino se beneficia de companheiros rápidos que correm no espaço vazio. Como sai muito da área, ele arrasta um ou dois zagueiros em sua cola. Imagine o efeito dominó na defesa do oponente com este movimento: Firmino levando zagueiros para longe do gol, e Salah e Mané correndo em direção ao buraco que se formou pela ausência dos beques. Firmino cansou de dar assistências, como um verdadeiro camisa 10.
Por unir características de camisa 9 e 10, Tite confia no jogador para ser o reserva imediato de Gabriel Jesus na seleção brasileira. Tanto que os dois são os únicos com características de centroavantes no grupo que irá a Rússia. A condição de reserva, no entanto, pode ser provisória. O bom desempenho na Liga dos Campeões e o desempenho mediano de Jesus em seus últimos jogos é um fator complicador para Tite. Com Firmino, a seleção ficaria mais rápida e vistosa. Ele pode ser o operário para que os meias do esquema 4-1-4-1 tenham mais conforto ao entrar na área e finalizar.
O novo camisa 9
A afirmação do jogador mostra uma atualização dos camisas 9 na seleção. A dupla Jesus e Firmino está sintonizada com uma exigência moderna aos atacantes. É demandada deles a participação ativa em outros momentos do jogo, e não somente no ataque. O Wyscout mostra que ele dobrou o número de jogadas aéreas de defesa em que participa: era 0,8 por jogo em 2016 e agora a média é de 1,5. Fisicamente forte, sem que isso signifique lentidão, ele é um dos líderes de um movimento muito frequente no Liverpool: a marcação sufocante após perder a bola. Se alguém a rouba, Firmino e os companheiros mais próximos pressionam e tentam recuperá-la. De forma sufocante, quase incessante. Uma qualidade muito apreciada por Tite, que chama o conceito de “perde-pressiona”.
O camisa 9 sempre foi uma instituição do futebol brasileiro. Em todas as Copas o Brasil teve um homem fixo na área com a missão de fazer gols. Fred decepcionou em 2014. Luis Fabiano, em 2010, também. Donos da mística camisa entre 1994 e 2006, Ronaldo e Romário eram móveis, mas não exatamente artilheiros. Suas qualidades moravam mais no drible curto e no tino para acertar chutes dentro da área. Em comum, a esperança de empilhar gols, que só foi atendida nas campanhas campeãs de 1994 e 2002. O perfil mudou drasticamente nos últimos anos. A seleção testou Pato e Tardelli. Neymar jogou por ali, nos últimos jogos sob comando de Mano Menezes. Até chegar a Firmino e Jesus, goleadores, mas muito mais móveis do que seus antecessores.
Existem jogadores que se destacam pela polivalência – mas que na verdade aparentam gambiarra. Jogam na lateral, na defesa e no ataque. Não é o caso de Firmino. A polivalência dele é de competência, não de posição. Ele sabe cumprir o papel de centroavante com a mesma eficácia com que volta para compor a defesa. O Brasil ganhou um homem de área e um camisa 10 na mesma intensidade e qualidade, ainda que ele seja desconhecido do grande público. Uma imagem que a Copa tem tudo para desmanchar.
Por: Leonardo Miranda