Se você está lendo essa matéria em um lugar público, pare cinco segundos e dê uma olhada ao redor. Encontrou alguém com a câmera do celular apontada para si? Se não encontrou agora, não se preocupe: em algum momento do dia, você irá se deparar com gente fazendo selfies. Ou, quem sabe, será você a fazer uma! (Eu mesma não nego: adoro uma selfie e publico algumas delas por dia – nem essa matéria escapou).
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Além de designar um tipo específico de imagem, a selfie também tem conformado novas subjetividades e sociabilidades. É nisso que acredita o pesquisador Leonardo Pastor, 29, que começou a investigar a relação entre fotografia, selfie e mídias digitais depois de ir morar em frente à Praça Ana Lúcia Magalhães, na Pituba. Da varanda, ele começou a notar que cada vez mais pessoas sacavam seus smartphones e miravam em direção a si mesmas durante caminhadas ou piqueniques.
O hábito chamou atenção do pesquisador, que depois de fazer uma busca via localização nas redes sociais, encontrou vários dos registros – postados em perfis públicos. É por conta de características como essa que, para ele, selfie não é o mesmo que autorretrato. Não é à toa que surge um novo nome para falar disso. “É um novo nome porque surgiu uma nova prática. Há uma interação com o smartphone, e não só com o próprio aparelho, mas com a ideia de compartilhamento direto, de interação”, explica o pesquisador do Laboratório de Mídia Digital, Redes e Espaço (Lab404), da Ufba.
Novidade
Mas o que é uma selfie? Segundo o Oxford – que elegeu o termo como a “palavra do ano” em 2013, quando o uso cresceu 17.000% – selfie é uma foto que alguém tira de si mesmo, geralmente com um celular ou webcam, e posta em uma rede social. Por isso, quem tira uma foto com câmera frontal e não compartilha, não está fazendo uma selfie. Se não é você quem tira a foto de si mesmo, também não é #ficaadica. Ah, preferencialmente do rosto, mas não só!
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“Selfies são imagens de si conversacionais, ou seja, pautadas pela interação. Não se resumem à prática de levantar a câmera para cima, acionar a câmera frontal e clicar”, explica Pastor. Por isso, esse tipo de foto quase sempre é acompanhado de uma legenda, além de ter marcações e localização. O boom das selfies está ligado à popularização das câmeras frontais e das redes sociais, mas o que leva uma pessoa a fazê-las?
Motivos
Para Flavia Azevedo, 44, colunista do CORREIO, o motivo é um só: detesta ser fotografada por outra pessoa. “A solução que encontrei para a coluna para ter uma foto que não me incomodasse foi essa coisa de eu mesma me fotografar. Toda vez que alguém pede uma foto minha, eu prefiro mandar uma selfie, porque eu faço do meu jeito”, descomplica.
Outra que aposta na praticidade da selfie é a escritora e professora da Ufba Lívia Natália, 39. ”Eu viajo muito sozinha e nem sempre tem alguém para tirar uma foto sua. Também gosto de tirar selfies quando eu estou com uma roupa bonita, com um batom diferente, na academia”, elenca, ao assumir que são pelo menos duas por dia.
De outra geração, a estudante Julia Maia, 15, admite fazer muitas selfies, mas a maioria delas não vão para o feed de suas redes sociais e sim para mensagens diretas ou grupos de Whatsapp com amigos. “Tiro mais para mandar para os amigos, mostrando reações minhas do assunto que a gente está falando na hora, tipo meme para as situações”, diz ela.
Outra que faz uso parecido das selfies é a estudante Brenda Borges, 17. E apesar de compartilhar muito com grupos mais restritos, ela também não deixa de postar as fotos no feed. “É o estilo de foto que eu mais tiro. Eu gosto de selfies porque é um negócio que eu controlo, basicamente”, resume.
Se os motivos para tirar selfies são os mais diversos, os para não tirar também o são. “Eu gosto de foto que de alguma forma passe informação, por mais simples que seja. Não vejo isso em selfies, é quase sempre um rosto e nada mais”, destaca o técnico em mecatrônica Diego Morais, 29. Apesar dessa impressão, ele tem algumas selfies no feed – a maioria feita em viagens ou com grupos de amigos. “Quando se trata de algum lugar diferente do habitual eu não vejo problema. Eu geralmente escrevo sobre o lugar ou sobre a situação que passei naquele momento. E marco todo mundo, inclusive o lugar”, complementa.
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Para o bancário Luiz Fernando Santos, 29, selfie (e qualquer outra foto em rede social) é sinônimo de exposição. “Eu não gosto de dizer onde eu estou, o que estou fazendo. Não tenho muito o que mostrar e uso as redes sociais mais para acompanhar alguns amigos, para saber do que as pessoas estão falando”, explica.
Para Pastor, esses diferentes relatos e relações com a selfie comprovam que se trata de uma prática que acontece de diferentes formas, e que cada experiência individual pode ser diferente da outra.
Cuidados
O psicanalista Marcelo Veras destaca que na esteira da discussão sobre selfie, está a sobre a quebra da intimidade. “Cada vez menos, temos espaços de intimidade, que hoje urge para ser exposta”, considera. Para ele, a explosão de selfies ainda expõem outras duas fraturas dos nossos tempos: o narcisismo e o desejo de aprovação.
“As pessoas não estão tão seguras daquilo que desejam, elas precisam da confirmação do olhar do outro, para ter certeza daquilo que elas desejam”, complementa ao propor um exercício: “Vá na galeria do seu celular e veja quantos registros de si estão lá?!”. Para ele, um enorme lixo imagético do qual as pessoas não conseguem se desfazer pela angústia da falta da certeza de si.
A falta de noção na hora de tirar selfies tem divertido, irritado e preocupado muita gente. Em 2015, governos começaram a alertar para os ricos das selfies após várias mortes trágicas em lugares extremamente bonitos e perigosos. Mas antes de ser um problema da selfie, esses acidentes têm mesmo mais a ver com o desejo contemporâneo de exposição a todo custo. “Você acaba ficando adicto, não consegue mais deixar de fotografar”, alerta Veras. O caminho para o equilíbrio é pensar sobre o que se quer com aquela foto em vez de repetir um comportamento de maneira mecânica.
Por: Marília Moreira