Uma paciente, de 69 anos, foi internada no Hospital de Base do Distrito Federal (IHBDF) e submetida a uma cirurgia extremamente delicada. A âmbito nacional, o procedimento é raríssimo e, no DF, é a primeira vez que ocorre. A idosa sofria de câncer no peritônio, o que, geralmente, é considerado inoperável. Porém, na contramão da desesperança, o corpo médico do IHBDF participou de um procedimento inovador, que consiste na remoção de todos os tumores visíveis na cavidade abdominal e à aplicação de quimioterapia diretamente no local.
Iracema dos Santos Silva sofria de um tumor carcinoma mucinoso no peritônio, diagnosticado em 2015. Inicialmente tratado no Hospital de Base, dona Iracema foi informada de que a possibilidade de conseguir fazer a cirurgia em um hospital da rede pública seria praticamente nula. “Então, ela tentou no Hospital de Câncer de Barretos (SP), passou por alguns procedimentos, teve o apêndice, ovário e parte do estômago retirados. E mesmo assim ela foi desenganada lá. Disseram que nada mais poderia ser feito. Foi aí que voltamos para o IHBDF, onde fizeram uma nova cirurgia, de grande porte, e depois ela passou a ter uma vida normal”, comemora a filha da paciente, Elaine dos Santos Silva, 40 anos.
O nome é complicado: citorredução peritoneal com quimioterapia intraperitoneal. Dona Iracema ficou aproximadamente 8 horas no centro cirúrgico, sob os cuidados de uma equipe multidisciplinar, formada por 12 profissionais de saúde.
O cirurgião oncológico Bruno Sarmento, que conduziu o corpo médico durante a cirurgia de dona Iracema, explica que o método só passou a ser estudado mais a fundo nos últimos 20 anos. Até então, quando o paciente tinha um tumor no peritônio, os cirurgiões o consideram incurável. “Antigamente, o cirurgião conseguia remover da cavidade abdominal o que ele via a olho nu, e acaba que o tumor voltava depois. Com isso, surgiu a ideia de fazer a quimioterapia durante a cirurgia”, explica Sarmento. O procedimento é dividido em duas etapas: primeiro a remoção dos tumores da cavidade peritoneal, depois a aplicação do medicamento no local.
Indicação
Apesar de ser um procedimento inovador, e promissor, Bruno Sarmento explica que, infelizmente, ele não é indicado para todo tipo de câncer. “No apêndice e o intestino grosso são os que teriam melhor resultado. Os outros necessitam de mais pesquisa para saber se realmente há possibilidade de cura”, diz. Em relação ao paciente, são avaliadas condições clínicas gerais e cardíacas. “Como é uma cirurgia extensa, ele tem que ter condições para suportar as horas e medicamentos aplicados durante o procedimento”, ressalta.
A seleção do primeiro paciente a passar pela cirurgia no Instituto Hospital de Base foi baseada no tipo de tumor, estado clínico, idade e gravidade do problema. Até o momento, há cerca de três pacientes tratando a doença na unidade hospitalar. Para o médico, a cirurgia representa um marco na história do IHB. devido à alta complexidade e participação de diversos profissionais de saúde. “Além de uma mudança de conceito, que oferece esperança a pessoas que foram desenganadas, significa muito aprendizado para todos os envolvidos”, comemora Sarmento.
O instituto planeja realizar mais procedimentos do tipo, mas ainda está em fase de consolidação da proposta, para que seja apresentada à diretoria do hospital. Com a repetição da cirurgia, aumenta-se a experiência clínica e a redução dos custos, diminuindo, também, as possibilidades de complicações. “Até o momento, nossas expectativas foram correspondidas. Tivemos um êxito muito grande e o IHB abraçou a proposta. Será muito gratificante ter o nome do hospital associado a uma técnica inovadora”, observa Sarmento.
Esperança
“Estamos esperançosos para que dê tudo certo. Será uma vitória muito grande! Minha mãe já foi desenganada e agora pode estar curada!”, vibra Elaine, filha da paciente número 1 no procedimento no DF. Ela conta que a mãe segue positiva e ansiosa para voltar à rotina. “Ela faz de tudo ainda, gosta de sair para dançar e se divertir”, comemora, orgulhosa.
O que é?
O câncer de peritônio é uma enfermidade rara. Ela afeta uma membrana que reveste a parte interna da cavidade abdominal e recobre órgãos como o estômago e os intestinos, reto, bexiga, útero e pode afetar também o apêndice. Esse tipo de tumor pode condenar consideravelmente a qualidade de vida da pessoa, levando ao acúmulo de líquido na região, obstrução do intestino e incapacidade de alimentação. “A evolução sem tratamento faz com que o paciente precise de internações urgentes e cirurgias de emergência, que oferecem riscos e tem uma solução momentânea”, aponta o cirurgião oncológico.
Por: Renata Nagashima*