“Tudo começou na redução de danos, mas eu também já fiquei em comunidades terapêuticas. A redução de danos é mais completa, as comunidades terapêuticas precisam se organizar melhor”, opina Adjefisson, usuário de crack.
Enquanto a rede de tratamento do SUS continua com seu desenho incompleto, a judicialização da saúde impõe o gasto de um dinheiro que poderia ser revertido em políticas públicas.
O secretário de estado da saúde, Ricardo de Oliveira, classifica o gasto com internações por determinação judicial como uma “irracionalidade”.
“Essa internação, do jeito que está sendo feita, não resolve nada. Estamos desperdiçando recurso. Não tem eficácia. É preciso reorganizar a política. Pela falta de infraestrutura, nós temos que seguir essa determinação judicial. Mesmo onde há Caps, está tendo internação”, reconhece Oliveira.
Para doutora em Bioética Elda Bussinguer, a privatização da saúde mental é cômoda tanto para Executivo quanto para o Judiciário.
CHANCELA DA JUSTIÇA
O juiz Paulo Cesar de Carvalho, membro do Comitê Executivo Estadual do Fórum Nacional de Saúde, diz que a recomendação feita pelo Tribunal de Justiça é que, se possível, os magistrados ouçam o gestor da saúde antes de determinar o pagamento de internações.
O juiz explica que, no caso da dependência química, o magistrado fica vinculado a um médico, que é o responsável por dizer se há necessidade de internação. “O relevante é que o juiz não determina a internação, ele examina um pedido feito pela parte, fundado em um laudo médico. Não raro esse pedido é feito por profissionais do próprio estado”, justifica.
O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) informou que a orientação é de que o médico psiquiatra avalie a melhor forma de tratamento. “No entanto, a decisão sobre internação consentida ou compulsória não cabe ao médico”, diz a nota enviada à reportagem.
O magistrado também afirma que os municípios não estão devidamente aparelhados para atender os dependentes químicos e acredita que as internações pela via judicial devam continuar. “É um reflexo da ausência da má prestação dos serviços de saúde, de alguma forma. Lógico que alguns têm a tendência de usar a Justiça como uma segunda via de acesso”.
Ações como fiscalização dos locais de internação e levantamentos quanto à eficácia desse tipo de tratamento para os dependentes químicos são importantes nesse enfrentamento, conclui o magistrado.
AFUNILANDO AS INTERNAÇÕES
Um exemplo de medida para diminuir o volume de internações pela via judicial é um projeto do núcleo da Defensoria Pública do Espírito Santo de Vila Velha chamado “Integração e Inclusão”, que auxilia a população em relação a questões gerais de transtornos mentais.
De acordo com a defensora pública Geana Cruz, com a tentativa de extrajudicialização, os pedidos de internação pela defensoria no município diminuíram 31% de 2015 a 2017.
A queda foi possível depois da implantação do Protocolo de Atendimento para Internações Compulsórias, em julho de 2016. Nesse protocolo, quem procura a internação para outra pessoa recebe todas as orientações a respeito desse tipo de tratamento.
Depois, o dependente passa por uma uma avaliação médica na rede municipal de Vila Velha. Com o resultado, a Defensoria recomenda ou não ingressar com a ação judicial para a internação.
“As pessoas estão achando que é o melhor caminho, mas na verdade é o último caminho. Você tem que ter a prova de que os meios extra-hospitalares não foram suficientes”, explica a defensora.
Geana Cruz acredita que é preciso haver mais conscientização de todos os agentes do Judiciário, mas chama atenção para a deficiência no investimento em políticas públicas, já que em muitos municípios não há atendimento.
“O juiz pega a batata quente e joga para o estado. Mas também tem alguém que dá um laudo para isso, alguém que também está lucrando com isso. Se esses valores fossem investidos para a Rede de Atenção Psicossocial, poderia haver uma melhora”, opina.
Por Manoela Albuquerque, G1 ES