Os preços das ervas, temperos, cebolas e limões na barraca da feirante Onorina Quixobeira da Silva, de 62 anos, são redondinhos: R$ 1, R$ 2, R$ 3, e por aí vai. Nada de centavos. Quanto menos números, melhor. É contando nos dedos que sai o troco do freguês. Só assim ela consegue identificar o que está nas cédulas e fazer a venda correta. “Muitas vezes me atrapalho e tenho de começar a contar de novo”, conta ela.
Três em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos no País – 29% do total, o equivalente a cerca de 38 milhões de pessoas – são considerados analfabetos funcionais. Esse grupo têm muita dificuldade de entender e se expressar por meio de letras e números em situações cotidianas, como fazer contas de uma pequena compra ou identificar as principais informações em um cartaz de vacinação. Há dez anos, a taxa de brasileiros nessa situação está estagnada, como mostram os dados do Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2018.
O estudo, feito pelo Ibope Inteligência, é desenvolvido pela ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro. Nessa faixa de 29% de brasileiros classificados nos níveis mais baixos de proficiência em leitura e escrita, há 8% de analfabetos absolutos (quem não consegue ler palavras e frases). Os outros 21% estão no nível considerado rudimentar (não localizam informações em um calendário, por exemplo).
Em 2009, 27% dos brasileiros eram considerados analfabetos funcionais – o índice se repetiu em 2011 e 2015, últimos anos em que o Inaf foi divulgado. Apesar do pequeno aumento no período (de 27% para 29%), estatisticamente o movimento é de estabilidade, segundo os autores do estudo, uma vez que a margem de erro da pesquisa é de 2 pontos porcentuais. Para o trabalho, foram entrevistadas 2.002 pessoas entre 15 e 64 anos, de zonas urbanas e rurais, distribuídas proporcionalmente em todas as regiões do País.
Diferentemente de outras pesquisas que medem o analfabetismo, a equipe do Inaf faz entrevistas domiciliares e aplica um teste específico, com questões que envolvem a leitura e interpretação de textos do cotidiano (bilhetes, notícias, gráficos, mapas, anúncios, etc) e classifica a habilidade em cinco níveis de proficiência.
A taxa analfabetismo calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, mostra estagnação do analfabetismo absoluto no País, com 7% das pessoas (11, 5 milhões) acima de 15 anos sem saber ler ou escrever.
“O indicador tem como objetivo medir o quanto o brasileiro consegue entender e se fazer entendido em uma sociedade letrada. Infelizmente, estamos estagnados há muitos anos em patamar muito preocupante”, diz Ana Lucia Lima, coordenadora do Inaf. Sobre os analfabetos absolutos, a variação entre 2015 e este ano é de 4 para 8 – não é possível determinar que houve aumento, dizem os autores, por estar no limite da margem de erro. Mas indica que a curva não é mais de queda nesse grupo.
“Vemos uma mudança nessa tendência, o que é coerente com a queda de investimentos que tivemos no País nos últimos anos na alfabetização de adultos”, afirma Roberto Catelli Júnior, da Ação Educativa. O Plano Nacional de Educação, de 2014, prevê erradicar o analfabetismo absoluto até 2024.
Gerações
A feirante Onorina, que começou a trabalhar na roça aos 9 anos, em Maceió, teve de abandonar a sala de aula na 4.ª série para ajudar nas finanças de casa. “Lá não tinha água nem energia elétrica.”
Em São Paulo, teve cinco filhos. Todos terminaram o ensino médio. Na feira, um deles ajuda Onorina com o controle do caixa. Outros três cursaram Direito, Enfermagem e Física e trabalham nas respectivas áreas. “Minha filha só conseguiu ir para a faculdade porque teve bolsa”, diz ela, que chegou a pedir dinheiro na rua para comprar comida para a família.
Desde 2001, ano em que começou o Inaf, o total de brasileiros de 15 a 64 anos que chegaram ao ensino médio aumentou de 24% para 40%, e ao ensino superior, de 8% para 17%.
Apesar de a população ter mais anos de estudo, o índice daqueles plenamente capazes de se comunicar pela linguagem escrita segue igual, com só 12% no nível proficiente (o mais alto). Entre os que terminaram o ensino médio, 13% são analfabetos funcionais e, dos que têm ensino superior, 4%.
A pesquisa mostra ainda avanço tímido na redução de analfabetos funcionais entre os jovens. Na faixa de 15 a 24 anos, os resultados são melhores, com 12% de analfabetos funcionais. “Há melhora, mas ainda não pode ser comemorada porque só 16% terminam os estudos com a plena capacidade de se comunicar”, alerta Ana Lucia Lima.
MEC
O Ministério da Educação (MEC) informou, em nota, que só pode avaliar estudos do governo federal. Disse ainda que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) faz parte do ensino básico e, portanto, é de responsabilidade dos Estados e Municípios, cabendo à pasta somente fornecer “apoio suplementar” à alfabetização.
Destacou também programas de apoio ao EJA, como o Brasil Alfabetizado e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), destinado a jovens de 18 a 29 anos que não conseguiram terminar a escolarização no tempo adequado.
Por Estadão