Depois de alguns adiamentos, a Nasa planeja lançar na madrugada deste sábado uma missão com a qual pretende “tocar o Sol”. Batizada Parker Solar Probe (Sonda Solar Parker) – homenagem a Eugene Parker, professor emérito da Universidade de Chicago que previu a existência do vento solar, o constante fluxo de partículas em alta velocidade emitido por nossa estrela – a nave deverá chegar a apenas cerca de 6 milhões de quilômetros do Sol, tendo como principal objetivo estudar a chamada corona, a “atmosfera” de nossa estrela, para tentar resolver um mistério que há tempos intriga os cientistas: por que sua temperatura é muito maior do que a da própria superfície do Sol?
– Estamos estudando o Sol há décadas, e agora finalmente estamos indo até onde a ação acontece – comemorou Alex Young, vice-diretor de ciências da Divisão de Ciência Heliofísica do Centro de Voo Espacial Goddard da Nasa em uma recente teleconferência promovida pela agência espacial americana.
O intenso e constante brilho do disco solar disfarça uma estrela extremamente dinâmica, onde poderosos fenômenos acontecem a cada momento. Para além das reações de fusão nuclear que acontecem em seu núcleo, inundando de luz e energia não só nosso planeta como toda nossa vizinhança cósmica, linhas de força de um gigantesco campo magnético se cruzam, entrelaçam e eventualmente se rompem, lançando enormes quantidades de radiação e matéria ao espaço, em erupções que ameaçam o funcionamento de satélites e a saúde de astronautas, além de produzirem belas e coloridas auroras ao interagirem com o campo magnético da Terra.
– A energia do Sol está sempre fluindo pelo nosso mundo – lembrou Nicola Fox, cientista de projeto da missão junto ao Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, EUA, e outra participante da recente teleconferência da Nasa. – E mesmo que o vento solar seja invisível, podemos vê-lo circulando pelos polos como a aurora, que são belas, mas revelam a enorme quantidade de energia e de partículas que caem como cascata em nossa atmosfera. Ainda não temos um bom entendimento dos mecanismos que empurram o vento em nossa direção, e é isso que estamos indo descobrir.
E junto destes mecanismos também pode estar o segredo por trás da alta temperatura da corona, que se estende até pelo menos cerca de 8 milhões de quilômetros de distância da superfície solar. Enquanto a temperatura na superfície do Sol gira em torno de 5,5 mil graus Celsius, na corona ela sobe para entre mais de 1 milhão até 10 milhões de graus Celsius, dependendo de quão longe se está da estrela.
– É como se você se afastasse da fogueira no acampamento e de repente ficasse muito mais quente – compara Nicola.
Mas não será nada fácil para a sonda revelar este mistério. Para aguentar o calor escorchante e a intensa radiação nas proximidades do Sol, 500 vezes mais fortes do que a experimentada por naves na órbita de nosso planeta, a Parker Solar Probe será equipada com escudo térmico e blindagem inéditas na História da exploração espacial.
Fabricado com compostos de carbono e com aproximadamente 11,5 centímetros de espessura, o escudo será capaz de resistir a temperaturas de cerca de 1,4 mil graus Celsius enquanto mantém os instrumentos da sonda funcionais em temperatura ambiente – ele não precisa resistir aos milhões de graus da corona porque ela é muito tênue, isto é, tem relativamente poucas partículas, o que reduz a efetiva troca de calor com o escudo da nave.
O caminho da Parker Solar Probe até o Sol também vai ser difícil. Ao contrário do que se imaginaria, chegar tão perto de nossa estrela exige muita energia, ainda mais que para alcançar os confins do Sistema Solar, como fez a New Horizons, outra sonda da Nasa, em sua viagem rumo a Plutão e além. Isso porque a Terra orbita o Sol a uma velocidade de cerca de 100 mil km/h numa trajetória “lateral” com relação a ele, o que significa, pela “lei da inércia”, que a nave vai partir de nosso planeta seguindo basicamente a mesma trajetória com a mesma velocidade.
Assim, a Parker Solar Probe precisa “perder” esta energia para “cair” em direção ao Sol. E como não há foguetes tão poderosos em operação atualmente, a sonda fará isso ao longo de sete anos após seu lançamento realizando sete sobrevoos por Vênus para “emprestar” energia orbital ao planeta e gradualmente diminuir sua distância do Sol nos seus chamados periélios, o ponto de maior aproximação de nossa estrela na sua órbita. A missão prevê um total de 24 órbitas da sonda em torno do Sol, pelo qual passará a velocidades de cerca de 720 mil km/h nestas maiores aproximações, tornando-se também o objeto mais rápido já construído pela Humanidade.
– A energia de lançamento necessária para alcançar o Sol é 55 vezes a necessária para chegar em Marte, e o dobro para alcançar Plutão – resume Yanping Guo, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins e responsável pelo desenho da trajetória da missão.
Por O Globo