Indicado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para ser o novo ministro das Relações Exteriores, o diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo afirmou, em um blog que ele manteve durante a eleição para criticar o PT e defender o voto em Bolsonaro, que a “causa ambiental” foi criada por conservadores, mas capturada pela esquerda, que a “perverteu” e transformou na “ideologia da mudança climática”.
“O climatismo juntou alguns dados que sugeriam uma correlação do aumento de temperaturas com o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, ignorou dados que sugeriam o contrário, e criou um dogma ‘científico’ que ninguém mais pode contestar sob pena de ser excomungado da boa sociedade”, escreveu o novo chanceler.
Essa “defesa da mudança climática”, continua, é “basicamente uma tática globalista de instilar o medo para obter mais poder”. “Esse dogma vem servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados sobre a economia e o poder das instituições internacionais sobre os Estados nacionais e suas populações, bem como para sufocar o crescimento econômico nos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China.”
Um das promessas de Bolsonaro – que ele já confirmou e reviu algumas vezes desde a campanha – é retirar o Brasil do Acordo de Paris, assinado em 2015 e que prevê a redução de emissão dióxido de carbono a partir de 2020. Bolsonaro quer seguir o exemplo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que saiu do tratado da Organização das Nações Unidas (ONU) dizendo que era ruim para o desenvolvimento econômico de seu país.
O novo chanceler não tratou disso explicitamente em seus textos, mas, em um dos artigos, diz que os “os administradores do discurso globalista” transformaram o Acordo de Paris em sinônimo de “democracia” quando passaram a não ter mais maioria nas urnas.
No blog, Araújo não se identifica como diplomata, mas diz que tem 28 anos de serviço público e é também escritor. “Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante.”
Sem nunca ter chefiado um posto no exterior, Araújo estava na direção do Departamento dos Estados Unidos e Canadá. Foi promovido no dia 26 de junho, “por merecimento”, ao cargo de Ministro de Primeira Classe com a transferência de um colega para o quadro especial do serviço exterior. Dentro do ministério, um dos com hierarquia mais rígida da Esplanada, a escolha de um embaixador recém-promovido foi vista com desconfiança, comparada por eles a um general três-estrelas assumir o comando do Ministério da Defesa.
Em nota divulgada no Twitter de Filipe Martins, assessor do PSL para assuntos internacionais que foi um dos responsáveis por sua indicação, o futuro chanceler afirmou que atuará com “coragem para ser parte da mudança que o povo pediu nas urnas”. Sem dar detalhes sobre seus planos, disse ainda que trabalhará para “aprofundar iniciativas lançadas com competência pela atual gestão” e lançará outras na economia, comércio, cultura, tecnologia e “na promoção da democracia e das liberdades fundamentais em todo o mundo”.
Ameaça ao planeta
A coordenação do Observatório do Clima, grupo de organizações brasileiras que discutem mudanças climáticas, divulgou nota em que classifica como “estarrecedora” a escolha de Araújo como chanceler por Bolsonaro.
Para o grupo, a ascenção de Araújo representa um risco a liderança no Brasil em questões ecológicas no mundo.
“O radicalismo ideológico manifesto nos escritos do futuro ministro cria uma ameaça para o planeta, ao negar a mudança do clima e, presumivelmente, os esforços internacionais para combatê-la”, informa a nota.
“Tal pensamento, caso prevaleça sobre o ofício do chanceler, será prejudicial ao Itamaraty e ao papel do Brasil no mundo. A diplomacia brasileira tem na defesa do multilateralismo um de seus pilares e, nos últimos 46 anos, vem se valendo do multilateralismo para projetar o Brasil na cena internacional em um dos poucos espaços nos quais o país é líder nato: a agenda ambiental.”
O Observatório do Clima lembra que o Brasil foi protagonista na Conferência de Estocolmo, em 1972; foi berço de grandes convenções de ambiente e desenvolvimento sustentável da ONU e da Agenda 21, em 1992; liderou na defesa dos países em desenvolvimento no Protocolo de Kyoto, em 1997; fez nascer os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em 2012; e negociador fundamental do Acordo de Paris, em 2015.
“Abdicar essa liderança em nome de uma ideologia de tons paranoicos contrariaria diretamente o interesse nacional, que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, prometeu colocar ‘acima de tudo’”, diz a organização em nota.
O Observatório do Clima diz esperar que Ernesto Araújo repense suas posições, ao ser investido do cargo de chanceler.
Fonte: O Valor