Evento de tecnologia dá espaço para discussões sobre sustentabilidade e investimento de impacto
O primeiro grande evento mundial de tecnologia do pós-pandemia trouxe uma mudança de perspectiva importante: em vez de falar incansavelmente sobre soluções tecnológicas ligadas aos desejos do consumidor, o Web Summit, realizado nesta semana em Lisboa, se transformou no palco da sustentabilidade, do investimento de impacto como prioridade, e da sua conexão com o lucro em um mundo desesperado por fórmulas prontas para sobreviver.
O evento também trouxe uma dimensão de prestação de contas das grandes empresas a respeito de sua responsabilidade com o desenvolvimento da tecnologia e suas consequências. Na última década, grandes companhias se concentraram no crescimento acelerado e no máximo alcance de suas plataformas, com pouco investimento em mecanismos de controle ou discussões estruturais sobre os efeitos negativos da tecnologia na sociedade.
Em um mundo colapsado, não há mais espaço para não se discutir abertamente as denúncias, o impacto ambiental do consumo acelerado e a desigualdade social gerada pela falta de acesso à tecnologia em nações economicamente menos desenvolvidas.
Tecnologia e responsabilidade sobre seus efeitos
Rebecca Parsons, CTO da Thoughtworks, enfatizou em sua fala a responsabilidade dos fundadores e engenheiros em adicionar a perspectiva do viés, da inclusão e da diversidade desde o estágio inicial do design do modelo de negócio, para que consequências positivas e negativas sejam levadas em consideração já no momento embrionário. O conceito “Tecnologia Responsável” alinha comportamentos tecnológicos e de negócio com interesses individuais e da sociedade, segundo ela.
Facebook: a denunciante como estrela e o polêmico “metaverso”
Da condição de denunciante com o óbvio medo da retaliação à uma das maiores estrelas do Web Summit, Frances Haugen fez história ao entregar documentos que denunciam o comportamento do Facebook em relação ao ódio, violência e desinformação. Trazer ao palco principal uma mulher responsável por uma das maiores denúncias da história mostra uma mudança no conceito da responsabilidade da tecnologia, enquanto provoca discussões sobre ética e compliance.
Ao mesmo tempo, o Facebook anunciou ao mercado o “Metaverso”, e as discussões em todos os painéis criticaram o timing da estratégia. Porque a companhia lançou um universo paralelo, em vez de resolver os problemas deste mundo é o que está no centro das discussões atualmente.
Investimento de impacto como prioridade no portfólio
A dimensão ESG como prioridade dos investidores era um tema abordado de forma tímida em edições anteriores do Web Summit. Em sua última edição presencial, o destaque foi do Google, com o lançamento da sua primeira aceleradora de sustentabilidade. Nesta edição, em 2021, o tema invadiu todos os palcos, enquanto as startups selecionadas para apresentar suas soluções estão diretamente ligadas à sustentabilidade.
A compreensão é que não há mais espaço para incentivar o consumo desenfreado enquanto o mundo sofre com ausência de recursos. O capitalismo está passando por uma transformação importante, e o investimento de impacto é uma forma de reajustá-lo.
No painel que discutiu escolhas sustentáveis de investimento, Seth Bannon, fundador da Fifty Years, responsável pela captação recente de US$ 90 milhões provenientes de unicórnios para serem destinados à sustentabilidade, reiterou a necessidade de endereçar os 3 Ps – people, planet e profit, que em português significa pessoas, planeta e lucro -, com soluções e produtos realmente interessantes para a sociedade.
Bannon citou o exemplo da Tesla, que, em vez de apenas desenvolver carros elétricos, desenvolveu carros para amantes da velocidade, com design impactante e tecnologia de ponta – que por sua vez, são também sustentáveis.
* Simone Ponce é VP de Negócios da Eats for You, uma ESG foodtech que conecta donas e donos de casa com quem deseja se alimentar com uma comida feita artesanalmente. Vitor Lopes da Costa é VP Corporate Affairs da startup. Ambos estiveram no Web Summit