Dados do mais recente boletim epidemiológico de HIV/Aids do Ministério da Saúde, divulgados nesta quarta-feira (1º), Dia Mundial de Luta contra a Aids, revelaram que os jovens são os com maior incidência da doença.
Dos casos registrados entre 2007 e junho de 2021, 52,9% foram entre jovens de 20 a 34 anos.
Ainda acordo com o boletim, entre 2010 e 2020 houve tendência de aumento de detecção de Aids entre jovens nas faixas de 15 a 29 anos e de 20 a 24 anos. “Destaca-se que o aumento em jovens dessas faixas etárias foi, respectivamente, de 29,0% e de 20,2% entre 2010 e 2020”, diz o relatório.
Especialistas consultados pela CNN apontam que a alta dos casos entre jovens está associada à falta de vivência do período mais grave da epidemia da HIV, no início da década de 1980, ao perfil de comportamento dos jovens e à banalização e estigma relacionados à doença.
Banalização da doença favorece aumento dos casos
Nos últimos 40 anos, desde a descoberta dos primeiros casos de Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), transformações tecnológicas, especialmente nas áreas da medicina e farmacologia, levaram a avanços significativos para o diagnóstico e tratamento da infecção.
Diferentemente dos primeiros medicamentos utilizados contra o HIV, como a zidovudina, também conhecida como AZT, as terapias disponíveis atualmente apresentam menos efeitos colaterais e maior eficácia para impedir a replicação viral.
O avanço no tratamento, com reflexos na melhoria da qualidade de vida dos pacientes, permitiu que a Aids passasse a ser entendida como uma doença crônica, assim como o diabetes e a hipertensão. Se por um lado isso favorece a adesão ao tratamento contribui para reduzir o estigma sobre a doença, por outro, a banalização do agravo também está associada ao aumento do número de casos.
Para a infectologista Fabiana Lopes Custódio, os jovens tendem a subestimar os riscos relacionados às ISTs, especialmente por não terem presenciado o início da epidemia de Aids, quando havia um número mais expressivo de mortes pela doença.
“O jovem acha que com ele não vai acontecer. Ele não se enxerga numa situação vulnerável. Ouço muito de pacientes no consultório frases do tipo ‘se eu pegar HIV, tudo bem, tem tratamento e hoje é uma doença crônica como outra qualquer’. Esse relaxamento abriu possibilidades do incremento de outras ISTs”, disse a médica do Centro de Saúde Escola Dr. Joel Domingos Machado, ligado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
A opinião também é compartilhada pela infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Brenda Hoagland. “Faz parte da característica do jovem ser mais ousado, não seguir regras, seguir o inverso do que é dito. É natural que eles acabem se expondo mais e aceitando menos as medidas e as orientações de prevenção”, afirma.
A infectologista da Fiocruz defende que as campanhas de conscientização à prevenção do HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) sejam reformuladas, de modo a atingir o público mais jovem.
“O desafio é trazer para o mais jovem uma linguagem que ele compreenda, aceite e entenda que a mensagem é direcionada para o seu grupo. Não adianta usarmos apenas técnicas antigas, como folhetos, informativo ou comercial careta. Isso não vai chamar a atenção”, afirma. “Precisamos de jovens trabalhando conosco dentro do contexto da prevenção, de forma que eles possam traduzir isso para as redes sociais”, completa.
Estigma prejudica adesão à testagem
A testagem regular para o HIV e outras ISTs permite interromper a cadeia de transmissão. Os testes podem ser realizados de forma gratuita, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em unidades básicas de saúde e Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) – saiba onde fazer os exames.
Segundo a médica Fabiana Custódio, o estigma associado ao HIV e à Aids faz com que as pessoas deixem de buscar atendimento especializado e realizar os testes. “Uma preocupação comum entre os jovens é que outras pessoas descubram o diagnóstico do HIV ou de ISTs, o que afasta a procura pelo atendimento médico. Os resultados dos testes são confidenciais”, diz.
A pesquisadora da Fiocruz, Brenda Hoagland explica que os avanços no conhecimento técnico e científico levaram ao desenvolvimento do conceito da prevenção combinada, que reúne diferentes estratégias para evitar o contágio e a transmissão do HIV e de outras ISTs.
“Unidades de saúde oferecem preservativos, e as profilaxias pré e pós exposição ao HIV. Mas pode ser que os ambientes ainda não sejam amigáveis ou atrativos para essa população mais jovem. Agora que temos todos os instrumentos de prevenção disponíveis, cabe a nós trabalhar a linguagem e os ambientes para receber essa população mais jovem”, afirma.
A médica do Centro de Saúde Escola Dr. Joel Domingos Machado, Fabiana Custódio, explica que as ISTs podem apresentar uma grande variedade de sintomas que merecem atenção, como corrimento, verrugas, úlceras, prurido (coceira), dor local e lesões na pele.
“Todos esses sinais e sintomas afetam o bem-estar de qualquer pessoa. Evitando essas doenças, evitamos complicações. Uma IST pode diminuir a autoestima do paciente e a prática de sexo seguro”, afirmou.
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