Pesquisa inédita da Fiocruz revela condições precárias para profissionais de saúde
Uma pesquisa inédita realizada pela Fiocruz revelou um cenário preocupante para os trabalhadores considerados “invisíveis e periféricos” da área da saúde no país.
Segundo o estudo, 80% dos profissionais de nível técnico e auxiliar que realizam atividades de apoio na assistência, no cuidado e no enfrentamento à Covid-19, vivem situação de desgaste laboral relacionado ao estresse psicológico e à sensação de ansiedade e esgotamento mental.
Os dados constam da pesquisa “Os trabalhadores invisíveis da Saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil”, divulgada nesta quinta-feira (10), que contou com a participação de 21.480 trabalhadores de 2.395 municípios de todas as cinco regiões do Brasil.
O estudo analisa a situação de profissionais que atuam como maqueiros, condutores de ambulância, manutenção, apoio operacional, equipes de limpeza, cozinha, administração e gestão dos estabelecimentos, além de técnicos e auxiliares de enfermagem, saúde bucal, radiologia, laboratórios de análises clínicas, agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias.
Mais da metade (54,4%) destes trabalhadores informou que houve negligência acerca da capacitação sobre os processos do vírus e os procedimentos e protocolos necessários para o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Quase o mesmo número (53%) disse não se sentir protegido contra a Covid-19 no trabalho.
Além disso, a pesquisa mostrou que o medo generalizado de se contaminar (23,1%), a falta, escassez e inadequação do uso de EPIs (22,4%) e a ausência de estruturas necessárias para efetuar o trabalho (12,7%) foram os principais motivos para a sensação de insegurança e falta de proteção no ambiente de trabalho desses profissionais. Já a falta de apoio institucional foi citada por 70% dos participantes da pesquisa.
Agressões
Além da insegurança e dos desgastes físico e mental em decorrência das razões apontadas pelo estudo, os profissionais ainda relatam sofrer com ameaças e agressões dentro e fora do ambiente de trabalho.
Dos entrevistados, 35,5% relataram sofrer violência ou discriminação durante a pandemia. Destas agressões, 36,2% ocorreram no ambiente de trabalho, 32,4% na vizinhança e 31,5% aconteceram no trajeto casa-trabalho-casa.
Carga excessiva
Se não bastassem os problemas relatados, a maioria destes profissionais (50,9%) apontou lidar com excesso de trabalho. Já 85,5% destes trabalhadores disseram ter uma jornada de trabalho de até 60 horas semanais e 25,6% revelaram que precisam de um segundo emprego para sobreviver.
Os dados, segundo a socióloga e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), Maria Helena Machado, responsável pela pesquisa, evidenciam as injustiças e condições precárias destes trabalhadores.
“Temos depoimentos recorrentes da realização de ‘plantões extras’ para cobrir o colega faltoso, por afastamento provocado por Covid-19 ou morte, mas eles não consideram essa atividade outro emprego, e sim um bico. Muitos declararam fazer atividade extra como pedreiro, ajudante, segurança ou porteiro, moto-táxi, motorista de aplicativo, babá, diarista, manicure e etc. É um mundo muito desigual e socialmente inaceitável”, criticou.
Perfil dos profissionais
A Fiocruz também buscou traçar um perfil dos trabalhadores por gênero, raça e faixa etária. Foi identificado que a grande maioria dos “invisíveis” (72,5%) é composta por mulheres e 59% são de pretos/pardos.
Por idade, 50,3% são de pessoas entre 36 e 50 anos e 32,9% de jovens com até 35 anos. Apesar da relativa pouca idade destes profissionais, 23,9% relataram ter algum tipo de comorbidade. A pesquisa destaca que 31,9% disseram ter hipertensão; 15,1% obesidade; 12,9% doenças pulmonares; 11,7% depressão e 10,4% diabetes.
Mais da metade (52,6%) dos profissionais que participaram do levantamento trabalha nas capitais e regiões metropolitanas. A maior parte deles atua em hospitais públicos (29,3%), seguidos pela atenção primária em saúde (27,3%) e os hospitais privados (10,7%).
Para Maria Helena, as consequências da pandemia para esse grupo de trabalhadores são muito mais desastrosas do que as sentidas por outros profissionais da área de saúde.
“São pessoas que trabalham quase sempre cumprindo ordens de forma silenciosa e completamente invisibilizadas pela gestão, por suas chefias imediatas, pela equipe de saúde em geral e até pela população usuária que busca atendimento e assistência. Portanto, são desprovidos de cidadania social, técnica e trabalhista”, apontou Maria Helena, que finalizou dizendo que a “pesquisa evidencia uma invisibilidade assustadora e cruel nas instituições, cujo resultado é o adoecimento, o desestímulo em relação ao trabalho e a desesperança”.
O contingente de profissionais considerados como “invisíveis e periféricos” na área de saúde é de mais de dois milhões de pessoas em todo o país.
// CNN Brasil