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No meio da guerra em Kiev, continuam a nascer bebês de barrigas de aluguel

Há 21 recém-nascidos que esperam pelos pais estrangeiros num abrigo temporário.

 

O trovão das explosões abana ocasionalmente o esconderijo que se tornou o lar temporário para 21 bebês nascidos de barrigas de aluguel ucranianas para pais estrangeiros.

A clínica do Centro BioTexCom para a Reprodução Humana, em Kiev, foi transferida para um bunker no primeiro dia da invasão russa, há quase três semanas, para proteger os bebés de qualquer ataque.

No entanto, ainda está longe de estar seguro, já que se situa a pouco mais de 15 quilômetros de Irpin, um subúrbio que tem sido alvo de intensos ataques russos, algo que torna ainda mais difícil para os novos pais, que estão em países como o Canadá, Itália e China, vir buscar os bebés.

Na manhã de segunda-feira (14), uma barriga de aluguel de 30 anos chegou à clínica improvisada com o bebé que deu à luz num hospital, uma semana antes. Ela não conseguiu conter as lágrimas quando entregou o bebé Laurence às funcionárias.

“É ainda mais difícil que ele esteja num lugar onde há bombardeamentos”, disse a mulher que pediu para usarmos apenas o seu primeiro nome, Victoria. “Quando é que os pais vão conseguir vir buscá-lo? É muito difícil”.

Victoria foi transferida da maternidade para a clínica de barrigas de aluguer no carro de uma funcionária. A funcionária andou a quase 160 quilômetros por hora, dentro da cidade, para tentar diminuir a hipótese de o carro ser atingido pelos mísseis, disse ela. Quando Victoria entrou no prédio, disse que ouviu o som das armas antiaéreas ucranianas, à distância.

Já dentro do bunker, houve três explosões mais ruidosas, uma das quais abateu um míssil russo a menos de um quilômetro de distância. Imagens de vigilância publicadas nas redes sociais mostram um homem a andar numa rua próxima quando o míssil interceptado caiu. Acredita-se que ninguém tenha morrido na explosão.

“Há 20 anos que esperavam pelo bebé”

Os pais biológicos do bebé Laurence, que deram tanto o esperma como o óvulo para a gravidez, moram em outro país. Não se sabe quando poderão vir buscar o filho.

“Eles dizem que vêm”, disse Victoria. “(Mas) é muito difícil tratar da papelada, neste momento. Quanto (tempo) vai demorar, ninguém sabe.”

Victoria acrescentou que manteve os pais de Laurence atualizados “até o último minuto” antes de entregar o bebé na clínica de barrigas de aluguer. “Espero que mantenhamos o contacto, porque (a situação é) muito difícil.”

Muitos países do mundo têm regras rígidas sobre a prática das barrigas de aluguer, e alguns casais que lutam para ter um bebé naturalmente, recorreram à Ucrânia nos últimos anos, onde a prática das barrigas de aluguer não é proibida e as clínicas oferecem preços competitivos em comparação com outros países.

Ihor Pechenoga, o médico que ajuda a gerir a clínica de barrigas de aluguer, disse que as mulheres recebem entre 17 e 25 mil dólares pelo serviço.

Victoria queria aplicar o dinheiro na entrada de uma casa para a sua própria família, dinheiro que já tinha tentado poupar desde que deu à luz a sua própria filha, aos 17 anos. A filha, agora com 13 anos, deixou a Ucrânia e foi para a Bulgária quando a guerra começou, disse ela.

Mas depois de ter de ficar internada durante a maior parte da gravidez de Laurence, devido a complicações, e depois de enfrentar o que ela descreve como o trauma de abdicar do bebé ao qual se sente agora ligada, Victoria disse que não voltará a fazê-lo.

A BioTexCom interrompeu o programa por causa da guerra, concentrando-se em apoiar as mulheres que estão grávidas e em retirar do país os recém-nascidos em segurança. Embora a clínica possa tentar levar os bebés para zonas mais seguras no oeste da Ucrânia, por razões legais, os novos pais têm de ir buscar os bebés dentro do país, e alguns têm medo de cruzar a fronteira.

“Tudo depende da força de vontade dos pais”, disse Pechenoga, de 51 anos. “Encontrei-me com pais que vieram a Kiev buscar o seu bebé; eles tinham lágrimas nos olhos. Há 20 anos que esperavam pelo bebé, portanto, é claro que vieram, apesar de tudo”.

Mas também há “casais que estão com medo, porque há uma guerra aqui, e uma guerra séria”, disse.

Seis funcionárias trabalham na clínica para alimentar e cuidar dos 21 bebés. Estão todas cada vez mais preocupadas com o desenrolar do conflito, à medida que as bombas caem mais perto do prédio. Os bebés conseguem sentir o medo e a preocupação, disse uma delas, Antonina Yefimovich, de 37 anos.

Mas elas recusaram a oportunidade de deixar Kiev porque não querem abandonar as crianças.

“Eu iria, porque também tenho a minha família. Mas não temos com quem deixar os bebés”, disse Yefimovich.

A mãe, o marido e as duas filhas de Yefimovich já fugiram da cidade e estão agora a mais de 190 quilómetros de distância.

“Claro, estou preocupada com eles”, disse ela. “Mas sinto-me melhor porque, pelo menos, a minha mãe e meu marido estão lá. Eles vão cuidar das minhas filhas.”

Estes bebés “não podem ser abandonados”, continuou ela. “São indefesos. Também precisam de cuidados. E nós esperamos realmente que os pais os venham buscar em breve”.

 

// CNN Internacional