Pelo menos seis Estados do país vão implementar neste ano medidas inéditas para aumentar a segurança nos dias de votação em outubro, como o treinamento de mesários para lidar com conflitos e o reforço policial no transporte das urnas eletrônicas.
Foi o que informaram à reportagem os Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) de Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
A eleição deste ano ocorrerá em meio a ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) à confiabilidade das urnas eletrônicas e ao esforço de representantes da Justiça para garantir publicamente a lisura das eleições no país, apesar dos tribunais nem sempre justificarem abertamente esse contexto como motivação para as novas medidas. Na quarta-feira (24/8), nove organizações brasileiras da sociedade civil pediram em uma reunião com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que sejam tomadas medidas para garantir a proteção de juízes eleitorais e mesários durante as eleições.
No Paraná, por exemplo, a assessoria de imprensa do TRE local informou que “está mobilizando esforços para a utilização de reforço na segurança dos fóruns eleitorais, em especial para a chegada das urnas eletrônicas após a votação”.
Nestes momentos, há o temor de hostilidades tendo como alvo as urnas, servidores e mesários.
“Além disso, o Tribunal vem realizando diversas audiências públicas e visitas aos batalhões da Polícia Militar em todo o estado para demonstrar a segurança e a transparência do processo de votação”, informou o TRE-PR.
No Paraná, o TRE vai realizar pela primeira vez treinamento com mesários sobre procedimentos de segurança, preparação que ocorrerá também em Minas Gerais, como já feito em outros anos.
O setor de segurança do TRE-PR preparou uma cartilha e vídeos com orientações a serem passados para mesários e presidentes de mesa. O TRE-MG afirmou que o treinamento de mesários incluirá “orientações sobre resolução de conflitos dentro da seção”.
O tribunal eleitoral de Minas Gerais também assinou um convênio com a Polícia Militar do Estado especificamente para a “ampliação na segurança da armazenagem e transporte das urnas” e criou um núcleo de inteligência em seu Gabinete Institucional de Segurança que planejará a proteção aos equipamentos e vai monitorar “episódios de desinformação a respeito do processo eleitoral”.
Também foram criados, para a eleição desse ano, uma Câmara Técnica de Inteligência no Mato Grosso; uma unidade de inteligência e uma Comissão de Segurança das Eleições no Pará; o Gabinete Extraordinário de Segurança Institucional no Rio de Janeiro; e um Gabinete de Pronta Resposta em Santa Catarina.
Esses núcleos são coordenados pelos TREs locais e aglutinam representantes de vários órgãos, como polícias, Forças Armadas e ministérios públicos. O objetivo é planejar e acompanhar questões de segurança em tempo real nos dias de votação.
No Mato Grosso, a Câmara Técnica de Inteligência vai, por exemplo, levantar dados de outras eleições para identificar locais com histórico de “ilícitos eleitorais” e de “fake news” (notícias falsas).
No Pará, a Comissão de Segurança das Eleições pretende dar “resposta rápida” a intercorrências “seja nas seções eleitorais, seja com os mesários, ou mesmo um ataque eventual às urnas”.
O TRE do Ceará (TRE-CE), por sua vez, não anunciou medidas inéditas, mas afirmou que está “intensificando trabalhos de enfrentamento à desinformação” e estimulando mesários a “evitar adoção de cores em vestimentas que possam lembrar de candidaturas”.
No Rio de Janeiro, os locais de votação terão cartazes “com o alerta de que se trata de crime provocar tumultos e impedir os trabalhos eleitorais”, de acordo com a assessoria de imprensa do TRE-RJ.
Sete TREs — de Alagoas, Amapá, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte e São Paulo — afirmaram que, até o momento, não estão preparando ações de segurança diferentes do que já vem sendo feito nas últimas eleições.
A BBC News Brasil enviou um questionário com cinco perguntas aos TREs dos 26 Estados brasileiros e do Distrito Federal. Desses, 17 responderam — alguns, apenas a algumas perguntas.
Os TREs do Acre, Amazonas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Rondônia, Sergipe e Tocantins não responderam à reportagem.
Estados não confirmam ‘Lei seca’
Em março, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, reuniu-se com representantes de sindicatos de servidores da Justiça Eleitoral, que pediram incremento na segurança para aqueles que trabalharão nas eleições. Na época, Fachin defendeu que a questão era uma responsabilidade compartilhada entre o TSE e os TREs.
A reportagem enviou alguns questionamentos ao TSE sobre a segurança nas eleições e não obteve resposta.
Em 16 de junho, a Federação Nacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe) enviou um ofício ao novo presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, com 14 demandas acerca da segurança nesta eleição.
Conforme já tinha adiantado a BBC News Brasil, entre as reivindicações dos servidores estão medidas de restrição contra a entrada de pessoas armadas nos locais de votação e a proibição da venda de bebida alcoólica nos dias de votação em todo o país.
Os servidores também pedem que seja garantida “a segurança dos servidores e das servidoras dos cartórios até o final dos trabalhos no dia da eleição, com a permanência das forças policiais até o fechamento do prédio” e que haja “divulgação dos resultados somente via ‘online’, sem acompanhamento nos prédios da Justiça Eleitoral”.
Uma vez que, nas últimas eleições, cada Estado decidiu à sua maneira se adotaria não a proibição à venda de bebidas alcoólicas, medida popularmente conhecida como “lei seca”, a reportagem perguntou aos TREs se esta seria implementada em outubro.
Dos 17 tribunais que responderam, nenhum confirmou que haverá “lei seca” — muitos indicaram que a decisão compete aos governos estaduais ou que costumam tomar uma decisão sobre isso mais próximo da votação.
Todos os tribunais regionais disseram que, como em anos anteriores, contam nessa eleição com o apoio das polícias militar, civil, federal e rodoviária, dos bombeiros, Defesa Civil, das secretarias estaduais de segurança e das Forças Armadas no planejamento e na fiscalização nos dias de votação.
O TRE do Distrito Federal, por exemplo, terá o apoio de 7 mil agentes de segurança para cada turno de votação — e nesse ano, pela primeira vez, usará drones da Polícia Civil e da Polícia Federal “para monitoramento das diversas áreas de votação e para auxílio na fiscalização da propaganda eleitoral”. O TRE do Mato Grosso também prevê uso de drones e diz que disponibilizará um oficial da Polícia Militar para cada juiz eleitoral ou auxiliar.
Já o TRE do Rio de Janeiro afirmou que “haverá policiamento em todos os quase 5 mil locais de votação no Estado”.
Em entrevista à BBC News Brasil, o diretor-geral do TRE de Santa Catarina, Gonsalo Ribeiro, afirmou que todos os 3,4 mil locais de votação do Estado terão o acompanhamento de policiais e, em alguns deles, também de viaturas. Os policiais militares e guardas municipais farão a guarda física das urnas desde sábado, quando os equipamentos serão distribuídos pelos locais de votação.
“A tendência que as coisas sigam com tranquilidade, como nos anos anteriores”, diz Ribeiro.
Municípios também podem requisitar, por meio do TSE, apoio das Forças Armadas para a realização das eleições. No primeiro turno da eleição geral de 2014, 279 municípios receberam apoio; na eleição geral de 2018, foram 513. Em 2020, durante as eleições municipais, 613.
O TSE afirmou que ainda não tem dados sobre solicitações feitas neste ano. Segundo a coluna da jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo, as Forças Armadas devem receber R$ 110,6 milhões do TSE para este tipo de suporte.
//BBC Brasil