Houve um tempo em que quase todos os produtos transportados no país eram levados por trilhos metálicos, o que mudou a partir da década de 1930, quando veículos de quatro rodas passaram a ser sinônimo de modernidade. Porém, a autorização para a construção de uma ferrovia que ligará Minas Gerais à Bahia pode mudar o rumo dessa história. Além de mais rápida, a malha ferroviária também pode reduzir os custos de transporte em até 30%.
A autorização para construção e exploração da estrada de ferro que fará a ligação entre Caravelas, no sul baiano, e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, foi publicada no Diário Oficial da União, na terça-feira (7).
O prazo é para que a empresa MTC – Multimodal Caravelas comande a via por 98 anos. A deliberação foi feita pela Agência Nacional de Transportes (ANTT) e a MTC deve assinar o contrato de adesão em até 30 dias. A empresa foi procurada para comentar o projeto, mas não se manifestou.
A ligação entre o sul baiano e o centro de Minas não é novidade. Há 57 anos, a Estrada de Ferro Bahia-Minas foi desativada por não garantir mais o lucro esperado no transporte de madeira e café. No imaginário brasileiro, a estrada ficou eternizada na canção Ponta de Areia (1975), do cantor Milton Nascimento. A música leva o nome do local onde a estrada ficava na época.
Hoje, o que ainda resta do sistema ferroviário serve como rota de cicloturismo. O mesmo percurso da primeira via será utilizado, dessa vez com a inserção de outras cidades, como Teixeira de Freitas e Mucuri.
Diferentemente de 1882, quando o ramal ferroviário foi implantado pela primeira vez, a nova ligação deve ser facilitar o transporte de eucalipto, de Minas Gerais, para a cidade de Mucuri, onde a empresa Suzano realiza a produção de celulose. Um estudo realizado pela startup Canopy Remote Sensing Solutions, em 2021, apontou que o eucalipto é responsável por 96% da cultura agrícola do estado. Desse total, 13% está localizado no Vale do Jequitinhonha.
O lítio de Minas Gerais também deverá ser exportado e, ao chegar em Caravelas, seguirá viagem para Ilhéus. Há a expectativa que o trem tenha vagões destinados a passageiros, o que deve favorecer o turismo nas duas regiões.
Quando o assunto é transporte de produtos, as ferrovias são importantes meios de reduzir o preço do que será exportado, como explica Antônio Carlos Bonassa, professor de cadeias de suprimentos do curso de Administração da ESPM.
“O retorno da utilização de uma estrada que liga Bahia à Minas é importante porque as maiorias dos produtos produzidos no interior têm que ser transportados de caminhão. Além de um custo muito maior que aumenta o preço do produto, há uma sobrecarga do sistema rodoviário”, esclarece o professor. Entre os produtos estão minério de ferro, celulose, grãos e álcool.
Há ainda alimentos do próprio sul da Bahia que deverão ter seu escoamento facilitado, como lembra o prefeito de Caravelas, Sílvio Ramalho (PP). “Nós temos exportação de muitos produtos locais, como melancia e mamão, que são exportados para o Sudeste e depois para a Suíça. A ferrovia vai facilitar a vazão de produtos com um custo mais baixo”, analisa.
Segundo o prefeito, o porto e o terminal marítimo da cidade estarão prontos para receber o incremento de cargas. Além do fator econômico, a ferrovia deve proporcionar benefícios sociais, com a abertura de postos de trabalho, e ambientais, por reduzir a emissão de gás carbônico.
O investimento estimado para que a obra seja realizada é de R$ 12 bilhões e ainda não há data para o seu início. O professor Antônio Carlos lembra que a autorização para que a empresa explore a nova via precisa ser bem analisada. Como o contrato é de quase 100 anos, pode ser que no futuro outras malhas ferroviárias surjam e é importante que ocorra integração entre elas.
“Quem ganha a licitação é dono da via e pode decidir quem pode usar. Mas quando a malha começa a crescer pode ser que aquele pedaço construído fique importante para ligar dois ramais de donos diferentes. Então, pode ser criado um gargalo, já que quem ganhou a licitação decide”, explica.
Muito produto para pouco espaço
Apesar de a Bahia ter grande produção agrícola e estar em crescimento no segmento de minérios, os produtos não se tornam muito competitivos no mercado externo e nacional justamente pela dificuldade em serem transportados até os portos do Brasil. É como se o estado fosse uma bateria cheia de energia que não tem como ser descarregada, analisa Antônio Carlos Bonassa.
Para se ter ideia do problema, o algodão plantado em São Desidério, no extremo-oeste, precisa percorrer uma distância de mais de 1,6 mil quilômetros até o porto de Santos, em São Paulo. “A ferrovia é necessária para o escoamento da produção agropecuária do estado, assim como para o transporte de fertilizantes, defensivos e combustível”, defende Humberto Miranda, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb).
Fundação apresenta Plano Estratégico Ferroviário para a Bahia
A modernização de ferrovias do estado e a realização de investimentos em novas malhas ferroviárias são os pilares que sustentam o Plano Estratégico Ferroviário da Bahia, realizado pela Fundação Dom Cabral (FDC), e que foi apresentado na na quarta-feira (08). O evento foi promovido pela Federação das Indústrias da Bahia (FIEB), representada pelo Conselho de Infraestrutura (COINFRA), e a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM).
O estudo considera que para que a Bahia deixe de estar isolada nesse segmento, é preciso investir na Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), com os trechos entre Ilhéus, Brumado e Caetité. Além dos avanços da FIOL II e I em cidades como Guanambi e Barreiras. Para Paulo Resende, coordenador do núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, é preciso que setores públicos e privados apostem na malha ferroviária do estado.
“Não é uma questão apenas financeira, a grande dificuldade é termos uma aposta no estado da Bahia por parte da iniciativa privada e do governo como uma região que necessita de um sistema ferroviário integrado ao resto do país”, analisa.
Antonio Carlos Tramm, presidente da CBPM, defende o tema como um dos mais urgentes para o desenvolvimento da Bahia. “Por muitos anos tivemos a conversa de que faltava carga. O estudo mostra claramente o contrário, precisamos ter agora a vontade política de levar este projeto adiante”, enfatiza.
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