“Se quiser uma boa formação em gastronomia, saia do Brasil”. Esse era um conselho comum dado a aspirantes a chefs – pelo menos, até a década de 90.
Antes disso, os futuros cozinheiros recorriam a cursos técnicos. O Senac (Serviço Nacional de Aprendizado Comercial) foi o primeiro a lançar aulas nessa modalidade, em 1969. E, por muitos anos, a instituição foi a única a realmente apostar na educação em gastronomia: em 1994, o Senac inaugurou o curso de Cozinheiro Chef Internacional, em parceria com o Culinary Institute of America.
Cinco anos mais tarde, em 1999, a Universidade Anhembi Morumbi lançou o primeiro curso de graduação em gastronomia no Brasil.
De lá para cá, a educação em deu um salto: segundo os dados mais recentes do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), de 2021, há 291 cursos superiores de gastronomia no país, entre bacharelados e tecnólogos.
Atualmente, cerca de 24.274 estudantes ingressam em universidades e faculdades no Brasil para cursar gastronomia.
É um cenário que cresce rápido, em pouco tempo. Para se ter uma ideia, em 2019, eram 258 cursos em atividade e 19.937 ingressantes.
Antes concentrados em São Paulo, os cursos superiores avançam pelo país, a estados como Bahia, Paraná, Ceará e Rio Grande do Sul.
Trabalho árduo pela educação
Rosa Moraes, atualmente embaixadora do grupo Ânima Educação e presidente da região do Brasil para a premiação The World’s Best 50 Restaurants, acompanhou de perto toda essa evolução – e foi o pivô para seu início.
Apaixonada por gastronomia, mudou-se para a Califórnia, nos Estados Unidos, em 1989, onde estudou a fundo técnicas e ingredientes. Alguns anos mais tarde, veio o convite para uma missão muito desafiadora.
“A família que era dona da Universidade Anhembi Morumbi me convidou para desenvolver uma graduação em gastronomia, curso que ainda não existia no Brasil”, conta Rosa. “Fiz muitas pesquisas e visitei várias escolas norte-americanas. Acabamos firmando uma parceria com a California Culinary Academy, que nos auxiliou no desenho do currículo e das cozinhas pedagógicas e no treinamento dos professores”.
A inovação da Universidade Anhembi Morumbi abriu caminhos para a educação em gastronomia, e Rosa segue contribuindo para esse cenário. Como embaixadora do grupo Ânima Educação, ela busca tendências e parcerias.
Foi por intermédio da Ânima que o Le Cordon Bleu, escola mundialmente renomada, desembarcou no Brasil. Inaugurada na França em 1895, a instituição está, atualmente, presente em 23 países.
Em 2018, o Le Cordon Bleu abriu unidades em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Vir ao Brasil, que tem um mercado com tanto potencial, era uma vontade antiga. Mas precisávamos encontrar a parceria certa, e foi a Ânima”, afirma Patrick Martin, diretor técnico do Le Cordon Bleu São Paulo e responsável pela implantação dos cursos em vários países.
Por aqui, o Le Cordon Bleu disponibiliza seus cursos mundialmente famosos, como os diplomas de Cuisine (que contempla técnicas francesas para a cozinha quente), Pâtisserie (confeitaria) e o Grand Diplôme, que combina ambos.
O Le Cordon Bleu preza pela técnica e tradição francesas, mas a equipe não fechou os olhos para ingredientes e sabores brasileiros. “Amazônia, Minas Gerais, a região do Nordeste… o Brasil tem muita riqueza de sabores em lugares diferentes”, afirma Martin. “É importante valorizar as culturas locais. Por isso, temos cursos assim em todos os países em que atuamos”.
Da cozinha para a sala de aula
Com o aquecimento da educação no Brasil e o potencial dos profissionais do país, chefs renomados decidiram expandir suas atuações: além de comandar as panelas, foram dar aulas.
O francês Laurent Suaudeau sempre gostou de ensinar – mesmo dentro das cozinhas de seus restaurantes. Em 2000, ele abriu, em São Paulo, a escola que leva seu nome. Cinco anos mais tarde, decidiu afastar-se dos restaurantes e se dedicar ainda mais às aulas.
A Escola Laurent Suaudeau se destaca por oferecer cursos com horários flexíveis. “São cursos pensados para quem já é formado e busca uma atualização, ou para quem já está no mercado e precisa de uma formação rápida”, afirma Suaudeau. “Acho importante essa flexibilidade. No Brasil, muitas vezes, as pessoas não podem deixar de trabalhar para se dedicar integralmente aos estudos”.
Os módulos possuem temas variados, que vão da cozinha regional brasileira a técnicas francesas, passando pela confeitaria e panificação.
A técnica dos pães, por sinal, atrai muitos estudantes. Em São Paulo, Rogério Shimura comanda a Levain Escola de Panificação, onde compartilha toda a experiência de sua família na área – seu tio-avô fundou a primeira panificadora Shimura em 1946.
“Quando inaugurei a escola, em 2013, a ideia era oferecer cursos para empresários do ramo de padarias, mas acabei atraindo futuros empreendedores”, diz. Atualmente, são 30 cursos na grade.
Quem deseja se especializar em doces também dispõe de ótimas opções. Uma delas é a Escola de Confeitaria Diego Lozano, inaugurada em 2012, que logo conquistou alunos por ensinar uma confeitaria mais sofisticada – algo que ainda não era comum em São Paulo. Além das aulas presenciais, o chef Diego Lozano oferece cursos online.
“Desde o lançamento, há nove anos, os cursos EAD sempre foram um sucesso”, afirma Lozano. “Com o tempo, esse modelo foi ficando cada vez mais popular e é uma fonte de renda muito forte para a escola”.
Paula Rizkallah, fundadora da escola Atelier Gourmand, também encontrou espaço para a gastronomia no digital. A instituição funcionou em ambiente físico por 20 anos, em São Paulo. Mas Paula decidiu encerrar as aulas presenciais e, em 2020, passou a lançar cursos EAD.
“Com as aulas online, as pessoas ganham agilidade no aprendizado e a comodidade de assistir às aulas onde e quando quiser”, afirma.
Para diminuir a distância entre alunos e professores, o Atelier Gourmand disponibiliza apostilas detalhadas, com fotos de passo a passo, e grupos de WhatsApp para troca de experiências e dúvidas. Em outubro, a instituição deve lançar o Diploma, o curso EAD mais completo da escola.
Em um mundo conectado pela internet e com tantas opções de educação, aspirantes a profissionais de gastronomia não precisam, necessariamente, sair do Brasil para cozinhar.
“Hoje, temos aqui graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado, cursos tecnólogos… Acho que estudar fora do país não é mais uma necessidade, mas complementa muito bem. Viajar e explorar outros sabores é muito bom”, conclui Rosa Moraes.
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