O setor financeiro brasileiro tem passado por uma transformação sensacional nos últimos anos, e “inovação” se tornou a palavra de ordem, com tecnologia e automação cada vez mais presentes na maioria dos serviços desse mercado. E progressivamente as fintechs estão ganhando espaço como alternativas aos bancos tradicionais.
O tamanho do setor no Brasil tem levado empreendedores a criarem negócios com uma velocidade impressionante: de acordo com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups), o segmento é o segundo com o maior número de startups: 5,96% das 13 mil presentes em operação no país.
É número que você quer?
De acordo com a edição 2021 do relatório “Global Fintech Rankings”, elaborado pela Findexable, o Brasil é o país mais bem colocado nesse segmento na América Latina, ocupando nada menos que a 14ª posição no índice mundial (5 posições acima em relação ao ano anterior). Em termos de cidades, São Paulo subiu uma colocação e se tornou o 4º maior ecossistema de fintechs do mundo, evidenciando ainda mais o amadurecimento na área.
Outro dado, desta vez revelado por um estudo da Mastercard, é o aumento de fintechs unicórnios no Brasil, que passou de 61 para 108, representando 20% do setor de tecnologia — em 2020, esse volume era de 15%. Já a quantidade de aportes recebidos por essas empresas mais que dobrou: de US$ 199 bilhões em 2019 para mais de US$ 440 bilhões no ano passado.
As fintechs têm sido as mais atraentes para os fundos de venture capital nacionais e estrangeiros. De acordo com a companhia de inovação aberta Distrito, o setor financeiro foi o que registrou o maior volume de investimentos neste ano. Em 93 rodadas de captação, as fintechs levantaram US$ 2,6 bilhões até julho, mais do que o triplo registrado pelo segundo lugar, ocupado pelas proptechs (startups do mercado imobiliário), que receberam US$ 851,4 milhões.
Um triste empurrãozinho
Para a novidade de ninguém, a pandemia deu uma grande força na digitalização. Com um mundo mais remoto e sem contato físico, as fintechs tiveram grande vantagem em relação ao modelo tradicional, baseado em agências, filas e portas giratórias. O movimento de transformação digital foi muito acelerado no Brasil por alguns motivos.
Para começar, há mais de um smartphone por habitante no Brasil — são 234 milhões de aparelhos, segundo uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV). Não à toa, o tempo que cada brasileiro passou no smartphone durante a pandemia aumentou 45% em relação a 2019: em média, quase 5 horas por dia, de acordo com o relatório anual da App Annie Intelligence. E, nesse tempo, deu para realizar transações bancárias: pela primeira vez, as transações realizadas em aplicativos bancários representaram mais da metade (51%) do total das operações feitas no país, de acordo com o que revelou a “Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2021”, o que corresponde a cerca de 52,9 bilhões de transações.
Devemos também lembrar que o número de desbancarizados no Brasil caiu 73%, de acordo com um estudo da Mastercard em um movimento impulsionado por duas frentes: o Auxílio Emergencial, que “obrigou” os beneficiários a criarem uma conta bancária, e o isolamento social e seu consequente aumento de demanda por soluções para operações online. Só para se ter uma ideia, em 2019, 45 milhões de brasileiros não tinham conta em banco convencional, digital ou fintech.
As fintechs são perfeitas para você
O holofote sobre as fintechs também pode ser explicado por conta das facilidades que essas empresas oferecem aos clientes e consumidores, enquanto, muitas vezes, eles precisavam enfrentar processos morosos e burocráticos nos bancos tradicionais. No Brasil, até alguns anos atrás, banco era sinônimo de filas, longas conversas (que quase nunca levam a algo), letras miúdas e dor de cabeça.
Além disso, esse mercado sempre foi tradicionalmente muito concentrado e com serviços que ficaram estacionados ao longo de décadas, sem atender às reais necessidades da maioria dos clientes. E aqui é importante lembrar que, até 2019, os 5 maiores bancos do Brasil detinham 81,8% das contas existentes no país.
E foi justamente a concentração bancária no Brasil um dos motivos que levaram o Banco Central a criar a Agenda BC#, um conjunto de iniciativas de inovação, desburocratização e democratização do sistema financeiro. O lançamento do sistema de pagamentos e transferências Pix e o open banking, por exemplo, surgiram dessa iniciativa.
Já as fintechs, como qualquer novo entrante de um mercado, tiveram de se esforçar (e muito) para criar soluções inovadoras e modernas que se adequassem exatamente às necessidades dos clientes. Flexibilidade e serviço excelente — de preferência com um atendimento humanizado e rápido — eram condições sine qua non para o lançamento de qualquer fintech. Ou seja, o serviço tinha de ser P-E-R-F-E-I-T-O para que um cliente mudasse de banco. E ele mudou.
Inclusão é bom e nós gostamos
Com um ambiente mais propício para a criação de plataformas financeiras e fintechs, a concentração bancária tem se reduzido gradualmente, embora ainda esteja em níveis altos. Como dá para notar, fintechs ajudam a ampliar o acesso a crédito, investimento e outras soluções para uma bela variedade de consumidores — além de movimentar a economia e ajudar causas sociais, reduzir custos, taxas e evitar (pasmem!) problemas como trânsito, assaltos em porta de bancos e lavagem de dinheiro.
Desse modo, vemos a criação de um ciclo virtuoso em que os negócios que geram impacto social fortalecem a imagem da empresa, que acaba conseguindo mais clientes e, consequentemente, obtém mais retorno. É o famoso ganha-ganha. Agora, a pergunta que não quer calar é: quando outras organizações do mercado vão se ligar nesse movimento também?
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Paulo David é fundador e CEO da Grafeno, fintech que oferece contas digitais e infraestrutura de registros eletrônicos para empresas e credores; e é sócio do SPC Brasil na construção de infraestrutura para o mercado financeiro. Antes da Grafeno, fundou a Biva, primeira plataforma de empréstimos peer-to-peer do Brasil, que foi adquirida pelo PagSeguro, empresa de meios de pagamentos. Foi superintendente do Sofisa Direto, a divisão digital do banco Sofisa. Atuou no time do Pinheiro Neto Advogados e na equipe da gestora de investimentos KPTL (ex-Inseed Investimentos). É investidor-anjo em fintechs no Brasil e na Europa.