O próximo governo será assombrado pelo centrão, seja quem for o inquilino do Palácio do Planalto. Na campanha, o grupo suprapartidário encostou seu código de barras no projeto eleitoral de Geraldo Alckmin. Mas não hesitará em se reposicionar se o nome do próximo presidente for outro. Sempre que dá com os burros n’água, o centrão encontra um burro mais seco.
Foi por pragmatismo que o grupo optou por Alckmin. A negociação com Ciro Gomes excluía o PR e o PRB. O entendimento com Jair Bolsonaro incluía apenas o PR. Sob o guarda-chuva do tucano, acomodaram-se todos: DEM, PP, Solidariedade, PR e PRB. Já estavam abrigadas no ninho legendas como PTB e PSD, que têm o mesmo DNA patrimonialista.
Os partidos do centrão concluíram que, separados, piariam fino. Juntando todos os segundos de que dispõem na propaganda eleitoral, falam grosso. Indicam o vice, negociam antecipadamente os comandos da Câmara e do Senado. De quebra, ladrilham com pedrinhas de brilhante a rua por onde irão passar seus interesses no governo a ser instalado em 1º de janeiro de 2019.
O projeto centrão de poder baseia-se na ocupação predatória do Estado. Seu objetivo central é assegurar que as verbas do Orçamento continuem escoando pelo ladrão. Hoje, barganham o tempo de TV. Amanhã, levarão ao balcão os votos de que irão dispor no Congresso. Por isso, destinam 100% da verba que extraíram do fundo público eleitoral às candidaturas para o Legislativo.
O centrão tem potencial para colocar algo como 250 votos no plenário da Câmara. Unindo-se ao MDB nas votações estratégicas, pode ultrapassar a marca dos 300 votos num colégio de 513. O quórum para a aprovação de uma proposta de emenda constitucional é de 308 votos. Não há governo capaz de funcionar em litígio permanente com essa gente. Daí a decisão dos caciques do centrão de preservar a unidade do grupo seja qual for o resultado das urnas.
No formato atual, o centrão foi concebido em fevereiro de 2014 por Eduardo Cunha, então líder do PMDB. Nessa época, o grupo não incluía o DEM. Movia-se como um elefante indiano. Precisava de um rajá para montá-lo. Cavalgando-o, Cunha elegeu-se presidente da Câmara. Alimentando-o com parte da ração que extraía dos cofres públicos, o hoje presidiário Cunha cercou, asfixiou e passou por cima do governo de Dilma Rousseff.
O clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo são fenômenos tradicionais no Brasil. No período pós-redemocratização, já havia um centrão. Foi criado pela banda conservadora do Congresso Constituinte de 1988, para se contrapor à ala dita progressista. Guiava-se por um lema: “É dando que se recebe”.
Retirado da oração de São Francisco, o slogan passou a simbolizar a profana prática de exigir vantagens do Executivo em troca de apoio político no Legislativo. Foi dando que o então presidente José Sarney arrancou da Constituinte, por exemplo, o mandato de cinco anos.
Com o tempo, os apetites da facção franciscana do Legislativo foram aumentando. Sob FHC, escalaram as manchetes os áudios revelando que a emenda da reeleição fora aprovada mediante o pagamento de uma tal “cota federal” para certos deputados –dinheiro vivo.
Sob Lula, a articulação política foi simplesmente substituída pela compra de votos. Deu no mensalão, sucedido pelo petrolão. Ninguém imaginou que os maus costumes sumiriam. Mas a Lava Jato estimulara a ilusão de que o medo da cadeia constrangeria a banda arcaica da política, encurralado-a. Engano.
Em maio de 2016, quando sentou-se na cadeira de Dilma, Michel Temer discursou: “A moral pública será permanentemente buscada” no meu governo. Referiu-se à Lava Jato como “referência” no combate à corrupção. Assegurou que sua gestão garantiria “proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.”
O apodrecimento do governo, potencializado pelo grampo do Jaburu, revelou que Temer e o miolo de sua equipe ministerial não eram senão matéria prima para a investigação. Rendido à necessidade de congelar duas denúncias criminais na Câmara, Temer converteu-se num presidente da cota do centrão.
No curto intervalo histórico de 20 anos, o vocábulo ”governabilidade” ganhou no Brasil um sentido gangsterístico. A política foi transformada num outro ramo do crime organizado. A extorsão do centrão vai continuar. Isso é péssimo. Mas pode se tornar ainda pior se o próximo presidente levar para o trono a disposição de pagar a fatura.
Fonte: UOL