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Eleições 2018: por que muitos partidos podem ficar sem dinheiro nem presença no Congresso

 

No dia 7 de outubro, 35 partidos vão disputar as eleições com um desafio enorme para muitos deles: cumprir a cláusula de desempenho.

Para isso, vão precisar eleger ao menos nove deputados federais de nove Estados diferentes ou contabilizar ao menos 1,5% do total de votos para a Câmara dos Deputados também distribuídos em nove unidades da federação, com pelo menos 1% dos votos em cada um desses Estados.

Esses critérios se tornam mais rigorosos a cada eleição geral. E quem não conseguir atingir as marcas perde o direito ao fundo partidário e também ao tempo de propaganda no rádio e televisão no pleito seguinte. Por isso, o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jairo Nicolau prevê que muitos partidos, “em especial as nanolegendas”, vão ficar “na seca”, sem dinheiro e sem representantes no Congresso, mesmo depois de eleger alguns nomes.

Nicolau acredita que haverá uma migração dos eleitos desses partidos que não cumprirem a cláusula para legendas maiores, fortalecendo as bancadas das grandes siglas.

“Caminhamos para um quadro um pouco mais enxuto, mas não sei quem vai conseguir sobreviver”, diz o professor, que espera que cerca de 20 legendas tenham assentos na Câmara, ante os 27 com representantes atualmente.

“Alguns partidos vão ficar na seca, mas não vão deixar de existir”, prevê Nicolau, lembrando que, como as legendas têm registro definitivo, mesmo sem dinheiro do Fundo Partidário muitas podem continuar arrecadando doações de pessoas físicas.

Apesar de a cláusula de desempenho ficar mais rígida a cada eleição até 2030, o professor, contudo, diz que dificilmente o Brasil terá um bipartidarismo. Ele lembra que nem mesmo na época de Arena e MDB o sistema com dois únicos partidos funcionava como tal durante o regime militar.

“Tinha Arena 1, Arena 2. Era possível votar para prefeito em dois candidatos do mesmo partido”, recorda Nicolau, autor do livro Representantes de Quem? e de outras obras sobre política partidária e eleições.

Genealogia dos partidos

A história política do Brasil sempre foi marcada por uma verdadeira transformação dos partidos, que, em geral, nunca tiveram uma vida muito longa nem estruturas ou raízes fortes na sociedade, segundo o historiador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Patto Sá Motta.

O professor lembra que houve pelo menos três momentos com rupturas importantes que redefiniram o sistema político e partidário do país.

Primeiro, diz Sá Motta, a transição do Império (1822-1889) para o período conhecido como República Velha (1889-1930) mostrou que as agremiações não eram capazes de se organizar nacionalmente.

“Muitas vezes se exagera na impressão de que tivemos no Império partidos políticos mais fortes, com o Partido Conservador e o Partido Liberal, que duraram mais de 40 anos. As pessoas se esquecem de que eles dependiam menos da opinião popular e do voto e mais da opinião do imperador. Era o imperador quem estabelecia a mudança de governo e alternância de poder desses dois partidos, e isso prejudicou o enraizamento dos partidos (na sociedade)”, explica.

“Quando a República começou, isso ficou claro porque não se conseguiu criar um partido nacional. Os partidos republicanos eram estaduais e as elites políticas tinham pouca coordenação nacional. Só fomos ter partidos nacionais em 1945”, explica o professor.

Autor de vários livros, entre eles Introdução à História dos Partidos Políticos Brasileiros (1999, Editora UFMG), Sá Motta lista como exceções o PCB (Partido Comunista Brasileiro), criado em 1922 e que passou boa parte da sua história na clandestinidade, e a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada em 1932 durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), mas que não teve vida muito longa.

Segundo o professor, a segunda ruptura veio com a Revolução de 1930. Os partidos políticos mais conhecidos da época de Getúlio Vargas são justamente a AIB e Aliança Nacional Libertadora (ANL), de 1935, liderada por Luís Carlos Prestes.

No período conhecido como Estado Novo (1945-1964), o Brasil voltou a ter eleições para presidente. Nessa época, o Brasil assistiu à disputa entre legendas que defendiam Getúlio Vargas – PSD (Partido Social-Democrático) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) – e a que era contra Vargas – UDN (União Democrática Nacional).

“O primeiro sistema partidário nacional que tivemos foi o de 1945 e, mesmo assim, veio a ditadura de 1964 e dissolveu esses partidos”, lembra Sá Motta.

Com o fim da ditadura – e do monopólio do MDB e Arena como as únicas legendas do país –, o Brasil adotou um caminho diferente de muitos vizinhos na América Latina. “Ao invés de resgatar os partidos que existiam antes da ditadura e restabelecer o que havia antes, deixou-se de lado o passado e criou-se um sistema partidário novo”, observa o professor.

Ele destaca que o “novo” tinha como origem Arena e MDB, que eram frutos da ditadura, e legendas criadas com propostas mais singulares, como o PT. Ele lembra até que houve tentativas como a de Leonel Brizola de resgatar o PTB de Getúlio Vargas, que foi barrado e acabou criando o PDT.

“Enquanto em outros países que viveram ditaduras semelhantes, como é o caso do Uruguai e do Chile, eles resgataram partidos anteriores. Foram reconstituídos e estão aí governando”, diz Sá Motta. “A história mostra que nunca ouve uma tradição partidária muito forte (no Brasil)”, completa o professor.

Fusões, cisões e mudanças de nomes de partidos

A partir da Arena e do MDB, surgiram muitos dos partidos hoje reconhecidos como de direita e de centro, como o PSDB, DEM, PMDB. No fim da ditadura, o PT e o PCB se colocaram mais à esquerda no espectro político.

Entre o fim da ditadura e 2018, o Brasil assistiu a dezenas de cisões, fusões, nascimento e morte de dezenas de legendas. Viu também o troca-troca partidário, prática comum entre muitos políticos brasileiros.

Muitas legendas trocaram apenas de nome, muitas vezes para tentar esconder as origens. Mais recentemente é possível observar um movimento para tirar o nome “partido” e tentar se colocar junto ao eleitor mais desiludido com a política de uma forma diferente.

O PFL foi um dos primeiros a deixar o “P” para trás na abreviação da sigla e passou a ser DEM. Ele surgiu de uma cisão do PDS que, por sua vez, veio da Arena.

O PMDB, por sua vez, era o MDB. Trocou de nome logo depois da transição para a democracia e, este ano, voltou a se chamar MDB. Desde a ditadura, porém, pouco mudou no partido, que continua elegendo sempre uma grande quantidade de prefeitos e deputados, além de atrair políticos com muita força regional.

Na nova leva de mudanças, o PTdoB virou Avante, o PEN pediu para ser Patriota e o PTN se transformou em Podemos. A Rede já nasceu sem a palavra partido no nome e o Solidariedade também. O Partido Novo, porém, foi contra essa tendência, mas não usa o nome de batismo completo. É, simplesmente, Novo. O PTC virou PRN e, em seguida, PJ.

Os partidos se colocam como verdadeiras iscas, querendo fisgar o eleitor. Mas, ao refazer o histórico de fusões, cisões e transformações, é possível dizer que há muito pouca novidade em todos os espectros políticos.

De dissidências do PT, por exemplo, surgiram o PSTU (que primeiro foi PRT), PCO e PSOL. O já extinto PDS virou vários como PFL-DEM, PDC, PRP – este se uniu ao PP para ser PPB e, em seguida, voltar a ser PP.

Candidato e partido

O professor Rodrigo Patto Sá Motta pondera, contudo, que as principais legendas do país hoje já têm uma história mais longeva e estruturada que a de partidos do passado. “A cultura política do país estimula partidos mais frágeis”, assinala.

O professor Jairo Nicolau também concorda que a história dos partidos revela a natureza da política brasileira, muito mais focada na figura do candidato do que nas legendas.

Até mesmo para um eleitor interessado em política, no entanto, fica muito difícil acompanhar tantas transformações e saber exatamente a história e o perfil da legenda em que determinado político está. Ainda assim, Nicolau diz não acha o multipartidarismo necessariamente um problema.

Os 35 partidos registrados atualmente não são o ápice de um Brasil que, nas eleições locais e gerais no fim dos anos 1980 e início dos 1990 viu mais de 80 siglas coexistirem, segundo o especialista. “Todos com registro temporário e, por isso, deixaram de existir.”

Uma nova onda de legendas surgiu a partir dos anos 2000. E, mesmo com as restrições que dificultam a sobrevivência dos partidos aprovados pelo Congresso para valer já para o pleito desse ano, o professor acredita que ainda há chance de mais legendas saírem do papel – há, atualmente, 73 partidos em formação, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Na prática, após a transição para a redemocratização em 1988, o Estado brasileiro acabou criando mecanismos de financiamento que ajudaram a incentivar a criação de cada vez mais partidos, como, por exemplo, a possibilidade de as legendas também receberem dinheiro de empresas – que acabou sendo vetada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2015.

Para Nicolau, muitos partidos vão sentir os efeitos das mudanças na legislação na eleição municipal de 2020. Por isso, ele não descarta a fusão de algumas legendas para assegurar a sobrevivência.

Ainda que haja a possibilidade de uma fragmentação similar à de 2014 ou até maior no Congresso em termos de partidos com representantes, tudo indica que ela vai durar pouco tempo, com a provável migração de deputados federais e estaduais para legendas que os permitam disputar a eleição municipal com dinheiro do fundo eleitoral e tempo no rádio e na televisão.

O professor Rodrigo Patto Sá Motta também acha possível que o número de legendas com representatividade no Congresso diminua. Ele lembra que a tentativa de criar barreiras para reduzir a quantidade de partidos é discutida há duas décadas e que, no passado, as legendas de esquerda foram contra porque defendiam que regras nesse sentido eram antidemocráticas e que partidos com posições mais ideológicas tinham direito a ter parlamentares.

Para Nicolau, para muitos partidos como o Novo, PCdoB e PSOL, que se colocam como legendas mais ideológicas, lançar um candidato ao governo dos Estados e à Presidência é uma boa estratégia para ajudar a cumprir a meta imposta pela legislação eleitoral.

“Candidatos circulam, aparecem na TV nacionalmente. O custo de entrada vai ficar muito alto e esses partidos precisam de visibilidade”, avalia o professor.

Por isso, legendas como o Novo e o PSOL insistiram em manter suas respectivas candidaturas à Presidência, por exemplo, apesar das pressões para se formar coligações – o PCdoB, por sua vez, acabou sendo atraído pelo PT e lançou Manuela D’Ávila como vice de Fernando Haddad.

Por BBC