Um escultor, sim. Não à maneira dos clássicos, lapidando pedra, mas um escultor no sentido de dar forma e voz aos materiais. Agora em cartaz, uma exposição ocupando o quarto andar da Pina_Estação revisita os cerca de 30 anos de trajetória de Artur Lescher, 55.
Para organizar as cerca de 120 obras expostas, a curadora Camila Bechelany estruturou três salas e um pequeno gabinete onde, pela primeira vez, os cadernos de desenhos e estudos informais do artista serão exibidos.
Conhecido pelo uso de madeira e metal -ferro, alumínio, cobre- trabalhados via processos semi-industriais, Lescher criou uma gramática de formas para pensar as relações entre a matéria, a obra e o espaço que ela ocupa.
“Seja no interesse pela arquitetura, seja nas investigações sobre o comportamento dos materiais, seu trabalho é pautado por relações e deslocamentos entre a memória das formas e das ideias”, diz Bachelany, que trabalhou em parceria com o artista para adaptar as instalações ao espaço de paredes e janelões que dão para paisagem do Centro.
O visitante que sai do elevador encontra aquela que é a sala mais impactante: intitulada “Suspensão”, ela traz uma reunião de 26 pêndulos verticais desenvolvidos a partir de 1998 e lembra uma festa de convidados flutuantes, alguns presos em cabos de aço e outros, em linha de pesca. A gravidade, ali, parece brevemente interrompida.
As outras duas salas ganharam o nome de “Narrativas Líquidas” e “Engenharia da Memória”. Enquanto a primeira se concentra na ideia de fluidez, a segunda fala de uma cidade imaginada, com ênfase na instalação “Nostalgia do Engenheiro”, em que livros, instrumentos de medição e objetos formam uma espécie de cidade de brinquedo que remete às paisagens de Giorgio de Chirico.
“Os materiais vão revelando sua personalidade. Uns mais masculinos, uns mais femininos”, diz o artista, vestindo luvas de plástico azul, enquanto fazia ajustes finais na posição das obras e supervisionava a colocação dos textos de parede.
“Muitas peças trabalham numa espécie de limite do que é muito bonito, mas ao mesmo tempo perigoso, pontiagudo”, diz, apontando alguns objetos da série “Finial”, inspirados por mísseis, mastros de bandeira e torres de templos religiosos. O progresso pode sempre reverter-se em guerra, parecem sugerir.
Quando estudante de filosofia, Lescher já era um interessado por física, astronomia, matemática e arquitetura, além de ser um entusiasta dos arquitetos renascentistas como Brunneleschi e Alberti. É esse pensamento oscilante entre arte, ciência e técnica que se revela no percurso.
“Sempre me interessei pelo repertório da engenharia. Um processo de estudar a estrutura de casas, carros, aviões e desfazer a funcionalidade delas”, diz o artista, que é um entusiasta de depósitos de ferro velho e encontrou em um deles uma esteira de 70 metros de comprimento que usou para fazer a instalação “Rio Máquina”, maior obra da mostra.
“Penso em como construir algo que tenha relação com o espaço e possa, ao mesmo tempo, redesenhá-lo”, diz.
Trata-se de um procedimento que Lescher desenvolveu no fim dos anos 1980, quando fazia cursos livres de desenho e gravura e formava-se monitor de exposições na Bienal de São Paulo. A partir do contato com os artistas e a instituição, tomou coragem e enviou uma proposta de instalação para o comitê de seleção.
“Mandei um projeto super ousado que nem eu mesmo sabia como fazer. Eu queria mais que vissem o que eu estava fazendo. E eles toparam!”
Ainda que não esteja presente na mostra, a instalação “Aerólitos” (1987) é uma espécie de marco inaugural de sua obra. Aluno de desenho de Carlos Fajardo, bebeu na fonte da Escola Brasil, mas seguiu um rumo que abre mais espaço pro campo discursivo (é um entusiasta da mitologia e psicanálise) e trabalhou como designer gráfico e editor de fotografia antes de viver da própria obra.
Hoje, seu sucesso no mercado é representado há mais de 20 anos pela Galeria Nara Roesler, e ele passa boa parte do ano produzindo para feiras -a imersão constante no circuito de instituições dentro e fora do Brasil dá a entender que o meio da arte contemporânea consegue ver as bases que ancoram sua flutuação.
Por FolhaPress