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Internet móvel: a revolução tecnológica do smartphone

 

Um dos maiores temas do século 21 é mobilidade. Não apenas a capacidade de exercê-la, movimentando-se e viajando de um lugar para o outro. Mobilidade no mundo pós-ano 2000 significa a possibilidade de fazer quase tudo o que quisermos – e que faz parte da vida contemporânea – enquanto estamos em movimento.

Falar com amigos, parentes e colegas de trabalho, escrever, pesquisar, ler jornais, ver televisão, ouvir rádio, ler livros, pagar contas, comprar roupas, encomendar comida, planejar viagens, medir seu estado de saúde e muitas outras coisas costumavam ser feitas enquanto estávamos parados. Aos poucos, porém, começamos a realizar mais e mais em movimento, até que, com a chegada dos telefones celulares inteligentes, praticamente tudo listado acima passou a ser feito em trânsito.

A partir de meados da primeira década do milênio, o foco da indústria da informática voltou-se para aparelhos móveis, como se ninguém mais pudesse ficar em casa ou no escritório. Mesas e cabos foram as maiores vítimas, com as novas tecnologias fugindo da parede como o Diabo da cruz. O século 21 tornou-se a era do telefone celular, do tablet, dos leitores de livros digitais e da ansiedade que a dificuldade em ficar parado e longe das telas causou em muitos de nós.

Uso excessivo de celular por estudantes está associado a mais parceiros sexuais e notas baixas, diz estudo.

A revolução do iPod

Desde 1979, quando a japonesa Sony lançou o Walkman, o ser humano apaixonou-se pela ideia de tecnologia com mobilidade. Até então, muitas pessoas já ouviam rádios de pilha com um fone de ouvido – geralmente em apenas um ouvido -, mas apreciar música com som de qualidade, individualmente, num poderoso fone cobrindo a cabeça exigia proximidade com um aparelho de som. O Walkman mudou essa realidade, permitindo que pessoas levassem consigo, em fitas cassete, parte de sua discoteca, em viagens, no transporte coletivo para o trabalho ou descansando no parque.

A fita cassete foi substituída pelo CD, com a popularização dos tocadores de discos digitais portáteis. Mas ainda era pouco para aqueles que não queriam ficar limitado aos poucos CDs que conseguiam carregar na mochila. Tudo começou a mudar no final dos anos 1990, com a popularização de um serviço de compartilhamento de arquivos entre pessoas – em inglês, “peer to peer”, ou P2P. O Napster, criado em 1999 por Shawn Fanning e Sean Parker, permitia que usuários enviassem uns para os outros músicas e discos em formato digital. Artistas e gravadoras identificaram o risco para seus ganhos em vendas de discos e direitos autorais. As empresas foram à Justiça contra o Napster e venceram, provocando o fechamento do serviço. O princípio do Napster, porém, prevaleceu. Muita gente gostou da facilidade de adquirir música digital, sem a necessidade de comprar objetos físicos em que ela estivesse embalada.

Se música já podia ser adquirida apenas como arquivo digital, ela certamente podia ser transportada em maiores quantidades. Assim nasceu, em outubro de 2001, o iPod. O produto da americana Apple revolucionou o mercado ao colocar num aparelho portátil um total de mil músicas – na época um número impressionante. “Ter toda a sua coleção musical com você, o tempo todo, é um salto quântico em termos de ouvir música”, disse o então CEO da Apple, Steve Jobs, ao anunciar o produto. Além de caber no bolso da calça, o iPod vinha com bateria que durava até 10 horas e criou a “scroll wheel”, ou roda de navegação, um item tecnológico que marcou época. Meses antes, em janeiro, a Apple já havia lançado sua loja de música digital, a iTunes, a partir da qual o iPod era alimentado. O primeiro passo da grande mobilidade tecnológica do século 21 havia sido dado.

No começo do século, a Apple – fundada em 1975 por Jobs, Steve Wozniak e Ronald Wayne em Los Altos, na Califórnia (EUA) – não podia ser considerada uma gigante do setor. Em 2001, tinha menos de 5% do mercado mundial de computadores pessoais, atrás de nomes como Hewlett-Packard, Dell, IBM e Toshiba. Essas empresas, porém, faziam produtos para quem ficava sentado, enquanto a Apple mergulhava no futuro da mobilidade. A revolução iniciada com o iPod foi tão significativa que nenhuma outra empresa na época conseguiu acompanhar o ritmo e a extensão dos saltos dados pela empresa de Steve Jobs.

O iPod foi amor à primeira vista. Segundo o site de tecnologia Lifewire, 25 mil unidades foram vendidas até dezembro de 2001, número que se multiplicou até chegar a 10 milhões, três anos depois. Em outubro de 2006, uma reportagem da revista de negócios Forbes listava as tentativas de concorrentes em sua missão de vencer o iPod. Várias empresas, entre elas Dell, Sony e SanDisk buscavam espaço nesse novo mercado dominado pela Apple – apesar de uma queda em seu domínio, de 92% em 2004 para 77% em 2006.

O texto da Forbes afirmava que, cinco anos após seu lançamento, o CEO da Apple havia vencido os críticos. “Jobs apostou certo desta vez: 67 milhões de unidades depois, o iPod realmente transformou a maneira como as pessoas ouvem música.” O texto ia além e situava o tamanho do impacto causado por essa transformação. “A indústria da música foi forçada a rever seu modelo de negócio, enquanto as indústrias da televisão e do cinema se preparam para fazer o mesmo. E Jobs elevou seu próprio status, de líder empresarial para ícone cultural.” Ainda em 2006, a gigante Microsoft comprou a briga e lançou seu tocador digital Zune. Seria descontinuado em 2012.

A revolução do iPhone

O iPod deu aos seus usuários muito mais opções de músicas para ouvir em trânsito. Já havia, no entanto, outra coisa ainda mais importante para as pessoas quando elas saíam de casa: o telefone celular. Popularizado a partir de meados da década de 1990, o celular trouxe um grau de autonomia nunca visto antes. Milhões de pessoas no mundo todo davam adeus à secretária eletrônica do telefone fixo em casa, às chamadas sem identificação de número e à busca por um telefone público no meio da rua. De 2000 a 2005, o número de assinaturas, ou linhas, de celular no planeta praticamente triplicou, segundo dados do Banco Mundial: de 12,04 para cada 100 pessoas, para 33,76. Na segunda metade da década, esse total aumentaria ainda mais rapidamente, chegando a 76,14 em 2010.

Nesse mercado, havia um nome e um toque de celular conhecido por praticamente todos: Nokia. A empresa finlandesa, fundada em meados do século 19 como fabricante de celulose, mergulhou no setor de tecnologia no final do século 20. Por cerca de uma década, foi líder mundial no mercado de telefones celulares, após ultrapassar a americana Motorola.

Em outubro de 2006, quando já havia a categoria de “smartphone”, ou telefone inteligente, o site de tecnologia Networkworld confirmava que a empresa da Finlândia continuava inquestionável em sua liderança no setor. Citando um estudo da consultoria Gartner, o texto dizia: “A Nokia possui 42% do mercado combinado de PDA [assistente pessoal digital] e smartphones, comparado a participações de mercado de um dígito para Research in Motion [RIM, sistema da Blackberry], Motorola e Palm.” Na segunda metade de 2006, a Nokia havia vendido 42,1 milhões de unidades, “um aumento de 57%” em comparação com o mesmo período de 2005. Essa realidade estava prestes a mudar. Em poucos anos, a Nokia perderia relevância e seria praticamente eliminada do mercado de telefones celulares.

A ideia de unir música que se carrega no bolso com o telefone celular ganhava força. O primeiro telefone com músicas veio em 2000, o SPH-M100, da Samsung. Anos depois, a união da japonesa Sony com a sueca Ericsson, formalizada em 2001, gerou uma série de aparelhos com função de tocador de música, usando a lendária marca Walkman. O telefone que lançou a série, Sony Ericsson W800, parecia oferecer a vantagem de combinar uma espécie de iPod, produzida pelos criadores do Walkman, com a respeitada telefonia celular sueca. “Ainda não vai substituir seu tocador de MP3 normal, mas chega bem perto”, disse o texto de avaliação do site C/Net, em outubro de 2005. Os atores do mercado pareciam atirar para vários lados, porém sem ainda acertar o alvo.

Até que chegou o dia 9 de janeiro de 2007. “De tempos em tempos, aparece um produto revolucionário que muda tudo”, disse no palco da conferência Macworld Expo, diante de uma plateia curiosa e atenta, o CEO da Apple, Steve Jobs. “Hoje, nós estamos apresentando três produtos revolucionários dessa categoria”, disse ele, antes de relacionar os três: um iPod com tela larga e controlada pelo toque; um telefone móvel “revolucionário”; e um “inovador comunicador via internet”. “Vocês estão sacando?”, perguntou Jobs, após repetir o menu. “Estes não são três aparelhos separados. Este é um aparelho. E nós o chamamos de iPhone.” Em seguida, ele mesmo deu o veredicto disfarçado de marketing: “Hoje a Apple vai reinventar o telefone”.

Era verdade. Com o iPhone, a Apple acertava em cheio o alvo que os concorrentes perdiam de vista. Do desenho às funcionalidades e seu sistema operacional, tudo no iPhone o tornava um novo parâmetro para a indústria. A reação foi imediata. Horas depois da apresentação de Jobs, no mesmo 9 de janeiro, o site de tecnologia Techcrunch dizia: “Pela descrição, parece ser um aparelho para mudar as regras do jogo, e os mercados de ações parecem concordar”. O texto então informava que as ações da Apple haviam subido 7%, enquanto as dos concorrentes Research in Motion (Blackberry) e Palm caíam 6%.

No mesmo texto, o iPhone, que vinha em duas versões, de US$ 499 (4 GB) e US$ 599 (8 GB), era descrito como “caro”. O custo, no entanto, não impediu que pessoas passassem dias na fila para adquirir o telefone no primeiro dia de vendas nos Estados Unidos, em 29 de junho de 2007. “Nós estamos na fila há dias. É bem desconfortável aqui nestas cadeiras”, disse Melanie Rivera, em Nova York, à rede CNN. “Nós sobrevivemos à chuva, então achamos que estamos mais perto do telefone.” Em 10 de novembro, quando o iPhone começou a ser vendido no Reino Unido, centenas de pessoas aguardaram em fila diante da principal loja da Apple em Londres. “Eu cheguei aqui 26 horas atrás”, disse à agência de notícias PA o primeiro a adquirir o aparelho, Tom Jasinski.

“O iPhone 3G inclui a nova App Store, oferecendo aos usuários do iPhone aplicativos nativos numa variedade de categorias incluindo jogos, negócios, notícias, esporte, saúde, referência e viagens”, disse o anúncio oficial da empresa. Um dos maiores fãs do aparelho – e do mundo Apple – era o ator britânico Stephen Fry, que escrevia sobre tecnologia regularmente para o jornal The Guardian. Segundo ele, a App Store representava a chegada de uma espécie de admirável mundo novo na telefonia celular. “Acredite em mim, em poucas semanas você verá coisas sendo feitas num iPhone que farão você prender a respiração e esticar os olhos.”

Em junho de 2009, dois anos depois da venda dos primeiros iPhones, o jornalista de tecnologia americano Brian X. Chen avaliou, em texto na revista Wired, o tamanho da revolução até então. “Foi o primeiro telefone a fazer dos atos de ouvir música, verificar o correio de voz e navegar na Web coisas tão fáceis quanto arrastar, tocar e pressionar uma tela – tão agradáveis quanto uma massagem.” Sobre a loja de aplicativos, Chen foi ainda mais contundente. “Com o lançamento da sua App Store, a Apple sacudiu a indústria novamente ao reinventar a distribuição de programas de computador.” Em março de 2011, a Apple anunciava ter atingido a marca de 100 milhões de iPhones vendidos.

Infraestrutura e Google

A capacidade de carregar música no bolso e o próprio iPod perderiam relevância com o tempo. Muito mais decisivo para o usuário do iPhone e todos os outros smartphones do mercado era a navegação pela World Wide Web e o uso de aplicativos via internet, experiência que só foi possível com a implantação da devida infraestrutura em todo o mundo. A primeira versão do celular da Apple ainda funcionava com 2G, a segunda geração dos sistemas de telecomunicação móvel, mas tudo mudou com o aumento do número em frente à letra G.

// BBC Brasil