Ato antidemocrático continua na Prainha em Vila Velha causando barulho, sujeira e mau-cheiro
A primeira vez em que o grupo de manifestantes contrários ao resultado das eleições presidenciais deste ano se reuniu na frente do 38º Batalhão de Infantaria (BI) no Parque da Prainha, em Vila Velha, foi no dia 30 de outubro, logo após o final do segundo turno do pleito do qual o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vitorioso.
As manifestações em frente ao Parque da Prainha inclusive estão entre os alvos da operação deflagrada pela Polícia Federal, no último dia 15, em oito Estados brasileiros, entre eles o Espírito Santo, cujos investigados são suspeitos de promover e incentivar atos antidemocráticos e ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em solo capixaba, foram cumpridos 23 mandados de busca e apreensão direcionados a 11 pessoas e uma empresa; políticos capixabas estão entre os investigados.
Desse total, quatro investigados tiveram pedido de prisão preventiva decretado, são eles: o vereador de Vitória Armandinho Fontoura (Podemos), o jornalista Jackson Rangel Vieira, dono do jornal online Folha do ES, sediado em Cachoeiro de Itapemirim, o radialista Maxcione Pitangui de Abreu e o pastor Fabiano Oliveira, considerado um dos líderes das manifestações em frente ao 38º BI. Apenas Pintagui ainda não deu entrada no sistema prisional.
No último dia 13, a reportagem do Folha Vitória esteve na Prainha, conversando com a população sobre como os acampamentos têm alterado o seu dia a dia.
As reclamações vão do mau-cheiro produzido pelos banheiros químicos espalhados pelo local ao barulho causado pelos discursos e falas antidemocráticas feitos do alto de um trio elétrico que fica 24h à disposição dos manifestantes.
Até mesmo o acesso à ‘Vila de Natal’, instalada no local, ainda de acordo com relatos de moradores, tem sido comprometido pela permanência dos bolsonaristas.
“Eu percebo essa diferença porque, antes, vinha aqui muito para questões de lazer, no fim de tarde. Esse acampamento me inibe de vir aqui. Minha mãe costumava vir comprar peixe aqui na prainha e não tem mais feito isso. O ambiente está menos propício para vir aqui, na verdade”, contou o estudante Caio da Silveira, que, de longe, admirava a Vila de Natal, enquanto conversava com reportagem.
Já a corretora de imóveis Fernanda Santiago disse que a sensação é a de que o parque foi perdido para os manifestantes, pois, segundo ela, é inquestionável a invasão do espaço público.
“Virou uma bagunça. A gente perdeu o Parque da Prainha, do qual a gente podia usufruir todo fim de tarde, para passear com os animais. Agora, estamos diante dessa situação, com o parque tomado de barracas”, lamentou.
A maioria dos moradores ouvidos pela reportagem afirmou esperar alguma atitude por parte da Prefeitura de Vila Velha visando à redução dos impactos causados pelo acampamento dos apoiadores de Bolsonaro na Prainha.
O município foi procurado para repercutir a demanda da população. Por meio de sua assessoria, informou que não comentaria o assunto.
Vale ressaltar que, no mês passado, o Ministério ´Público Estadual (MPES) encaminhou ao município uma série de recomendações a serem adotadas para minimizar os impactos das intervenções ocasionadas pelos acampamentos instalados no entorno do 38º BI.
Na semana seguinte `à notificação do MPES, a prefeitura foi questionada se as medidas sugeridas pelo órgão ministerial já haviam sido postas em prática. À época, o município afirmou que se manifestaria em momento oportuno, sem dar qualquer resposta conclusiva acerca da situação.
“Pessoas estão pedindo demissão de seus empregos para serem contratadas para a manifestação”, diz chefe do MP
A procuradora-geral de Justiça do Espírito Santo, Luciana Andrade, responsável por enviar ao STF o relatório que culminou na operação da PF no Estado, afirmou, durante a solenidade de diplomação no Tribunal Regional Eleitoral, na segunda-feira (19), que chegou ao conhecimento do MPES a existência de um esquema de financiamento de manifestações antidemocráticas que contaria com a participação de empresários e, possivelmente, de políticos e agentes públicos.
Segundo ela, o MP-ES ainda não teria chegado ao montante do recurso financeiro envolvido, mas contou que há casos de pessoas que estão sendo contratadas para fazer número na manifestação. “Chegou ao nosso conhecimento que pessoas têm pedido demissão dos empregos para serem contratadas para ficarem ali”, disse a procuradora, referindo-se ao acampamento montado na frente do 38º Batalhão de Infantaria.
A procuradora ainda falou sobre a operação da PF e sobre crimes e ilegalidades que os manifestantes estariam cometendo na Prainha, em Vila Velha, onde estão acampados.
“Todas as liberdades são sopesadas entre si. Elas não são ilimitadas. Uma coisa é liberdade de expressão. Eu sou uma personalidade pública, posso até sofrer algum tipo de crítica, mas isso não resvala no xingamento, na injúria, na calúnia, na difamação, na inverdade, porque aí a gente vai ter outros crimes”, disse Luciana.
Ela citou a preocupação com o sítio histórico da Prainha. “Depois que aquele patrimônio histórico ruir, não vai ter outro. A gente tem dificuldade de ultrapassar os limites do parque para chegar no Exército, por exemplo, para visitar aquela mostra. Então, tem que ter um limite”, defendeu.
A chefe do MP-ES contou também que moradores dos arredores têm reclamado da presença da manifestação no local. “As pessoas do entorno não estão conseguindo dormir. São quase 50 registros na Ouvidoria (do MP-ES) com reclamação. A gente já tinha uma legislação municipal sobre o quantitativo máximo ali para veículos pesados e há uma ideia que essa legislação foi feita para prejudicar essa ‘liberdade de expressão’. Claro que não! Existia há bastante tempo para preservar aquele patrimônio histórico, que é deles, que estão ali, mas que também é nosso”.
Além de infrações às legislações municipais, a procuradora disse que outras ilegalidades têm sido cometidas, como ligações clandestinas na rede elétrica.
“A gente não pode sair alugando banheiro químico e colocando na porta de casa, tem regras de sociedade e essas regras não estão sendo cumpridas ali. A gente viu, por exemplo, uso de energia elétrica irregular em poste público, ligação clandestina. O erro do outro, que eles reclamam, de eventuais ilícitos praticados por autoridades, não justifica os ilícitos cometidos ali”.
De quem é a responsabilidade?
A procuradora foi questionada sobre uma eventual responsabilização de agentes públicos por não dispersarem a manifestação. Segundo ela, pode haver punição por omissão e prevaricação. “É por isso que a gente vai sopesando essas respostas e tendo reuniões estratégicas de governança. A ideia é que as pessoas se conscientizem e deixem de exagerar na prática de ilícitos”.
Além dos 12 alvos dos mandados de busca, apreensão e prisão, Luciana Andrade disse que há outros investigados – com possibilidade de políticos estarem no meio.
“Eu não posso falar quem são e nem citar quantos mais, mas há investigações no âmbito da Polícia Civil, da Polícia Federal e com acompanhamento do Ministério Público. E há outras que posso nem saber, mas que estão submetidas à analise do próprio ministro, que tem recebido informações do Brasil todo”.
“O direito de ir e vir é sagrado”, diz constitucionalista
O advogado constitucionalista Flávio Fabiano avalia que o Poder público precisa olhar com seriedade para a questão da permanência dos manifestantes na Prainha, pois, segundo o jurista, o direito de ir e vir e de usufruir dos espaços públicos, além de garantido constitucionalmente, é algo sagrado em uma sociedade democrática.